Associar os tucanos à direita é algo que parte da esquerda tupiniquim vem realizando desde que Fernando Henrique foi eleito presidente. E direita não diz tudo. Há pouco tempo, Guilherme Boulos, membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e colunista da Folha de São Paulo, declarou durante uma marcha que o PSDB tem posições de extrema-direita. E não é uma voz isolada. Associar o PSDB à extrema direita já foi algo feito pelo Partido da Causa Operária, pela Carta Capital, por Paulo Vannuchi, diretor do Instituto Lula, e até por Renato Janine Ribeiro, atual Ministro da Educação.
Sem mais delongas, tenho 7 razões para você entender por que o PSDB não é um partido de direita.
1) BOA PARTE DA ESQUERDA TUPINIQUIM JÁ PEDIU VOTOS PARA FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Pois é, isso mesmo. Aconteceu em 1978, na campanha em que Lula ajudou Fernando Henrique Cardoso a ganhar sua primeira eleição, como senador pelo estado de São Paulo. FHC foi apoiado em massa pela esquerda tupiniquim. Chico Buarque de Holanda, petista histórico, criou seu jingle, composta sobre a música “Acorda Maria Bonita”.
“A gente não quer mais cacique/ a gente não quer mais feitor/ a gente agora está no pique/ Fernando Henrique senador”, dizia a letra.
O “cacique” e o “feitor” na música eram alfinetadas contra Franco Montoro, também candidato ao Senado pelo MDB. Com a aproximação da derrota de FHC (que assumiria a cadeira apenas quatro anos depois, quando Montoro assumiu o governo do estado), os montoristas refizeram a letra do jingle: “A gente não tem mais cacife/ A gente não tem mais mentor/A gente agora foi a pique/Fernando Henrique é só professor”.
De fato, toda elite progressista brasileira aplaudia sua candidatura – Sérgio Buarque de Holanda, Mário Pedrosa, Florestan Fernandes, António Cândido, Francisco Weffort, Bolivar Lamounier, além do Projac inteiro: Eva Wilma, Carlos Alberto Riccelli, Elis Regina, Lima Duarte, Regina Duarte, Ruth Escobar, Gianfrancesco Guarnieri, Bruna Lombardi, Fúlvio Stefanini.
Em 1985, quando disputou a prefeitura de São Paulo contra Jânio Quadros, a cena se repetiu. Chico transformou seu clássico “Vai Passar” em “Vai Ganhar”, um novo jingle. Mas Fernando Henrique perdeu a eleição – derrota que anos mais tarde ele consideraria fundamental para sua escalada até a presidência.
2) VOCÊ SABIA QUE “SOCIAL DEMOCRACIA” NAS SIGLAS DO PSDB QUER DIZER “SOCIAL DEMOCRACIA”?
As palavras abaixo não são minhas. Elas estão inseridas no documento doutrinário do PSDB, “A Social-Democracia, o que é, o que propõe para o Brasil”, escrita pelo então senador Fernando Henrique Cardoso, em 1990, publicada no site do partido.
“Qual é a posição ideológica da social-democracia?
Se esquerda significa ser contra a ordem social existente, e direita a favor, a social-democracia é sem dúvida uma corrente de esquerda.
Um social-democrata é antes de tudo alguém que tem senso crítico – que percebe as injustiças da sociedade e não tem medo de se opor a elas, mesmo correndo o risco de passar por subversivo ou sonhador.
Ser “de esquerda”, neste sentido, é o mesmo que ser “progressista”. É acreditar que tudo na vida muda, se transforma, e que é melhor ajudar conscientemente a mudança do que ficar parado no tempo, agarrado aos privilégios, à ideologia, às conveniências políticas, enfim, a tudo o que faz as pessoas “de direita” defenderem a ordem estabelecida apesar das injustiças, da miséria e da violência que ela produz.”
Essas são as bases do Partido da Social Democracia Brasileira. Um partido assumidamente de esquerda.
3) A HISTÓRIA DO PSDB SE CONFUNDE COM A HISTÓRIA DA ESQUERDA BRASILEIRA.
José Serra, então presidente da União Nacional dos Estudantes, a UNE, em 1963, aos 21 anos.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, principal nome do partido, sempre foi um estudioso do marxismo, por influência de Florestan Fernandes. Na década de 50, auxiliava a edição da revista “Fundamentos”, do Partido Comunista Brasileiro. Também integrava um grupo de estudos dedicado à leitura e discussão da obra O Capital, de Marx. Em 1981, ao lado de Eduardo Suplicy, ingressou numa lista da Polícia Federal. Era tratado como comunista pela ditadura. Como acadêmico, escreveu alguns livros fundamentais na bibliografia da esquerda brasileira, dentre os quais “Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional”, “Xadrez Internacional e Social-Democracia” e “Dependência e Desenvolvimento na América Latina”.
O economista José Serra, por duas vezes candidato à presidência pelo partido, foi uma das principais lideranças estudantis de seu tempo, presidente da UNE e um dos fundadores da Ação Popular, grupo de esquerda que revelaria os petistas Plínio de Arruda Sampaio e Cristovam Buarque. Serra é amigo pessoal e conviveu por anos no exílio com a economista petista Maria da Conceição Tavares, uma das principais influências intelectuais do Partido dos Trabalhadores e referência particular de Dilma.
O tucano Aloysio Nunes, vice na chapa de Aécio Neves na última eleição, foi membro da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização guerrilheira liderada por Carlos Marighella – era seu motorista e guarda-costa. Aloysio realizou inúmeros assaltos à mão armada em nome da revolução socialista.
José Aníbal, uma das figuras mais proeminentes do PSDB paulista, foi amigo de adolescência de Dilma Rousseff, com quem estudava matemática depois das aulas, e seu parceiro na Organização Revolucionária Marxista Política Operária, também conhecida como POLOP. Aníbal foi um dos fundadores do PT, antes de ser presidente do PSDB.
4) O PSDB JÁ TENTOU INGRESSAR NA INTERNACIONAL SOCIALISTA.
Em 2003, aconteceu em São Paulo o “XXII Congresso da Internacional Socialista”, organização há décadas atuante que possui afiliados 160 partidos de esquerda em mais de 100 países ao redor do globo. No evento em solo tupiniquim, integraram oficialmente o PDT (partido membro da organização no Brasil), além do PPS e do PT, convidados como observadores. A abertura do evento foi feita pelo então presidente Lula.
“Espero que esses três dias em que São Paulo se transforma em capital mundial do socialismo democrático, permitam a realização de um importante debate. De um debate capaz de renovar as esperanças daqueles que em todas as partes do mundo, sonham e lutam por um mundo mais livre e justo, o que é a essência do socialismo.
As profundas transformações pelas quais passou o mundo nas últimas décadas, abalaram muitas certezas e afetaram em parte paradigmas socialistas do passado.
Os conservadores celebraram muito apressadamente, sobretudo na América Latina, a vitória de suas teses e a derrota das esquerdas. Não foi necessário que transcorresse muito tempo, porém, para constatar que o legado que o conservadorismo deixou, foi um continente o mundo de desempregados e famintos atravessados por profundas desigualdades e incertezas. Um mundo onde as grandes conquistas científicas e tecnológicas beneficiam relativamente poucos excluindo muitos.”
O que muita gente não sabe é que o PSDB tentou filiar-se à instituição socialista. O pedido foi negado graças à forte influência de Leonel Brizola na organização, o que foi encarado pelos tucanos como um mero golpe eleitoreiro. A negativa gerou uma dura nota à imprensa do partido, indignado por não ter sido aceito.
“Só a ignorância pode explicar – sem, no entanto, justificar — o sectarismo presente à organização do XXII Congresso da Internacional Socialista, que acontece em São Paulo na próxima semana. O encontro deixou de lado forças representativas do campo progressista brasileiro, em especial o PSDB, numa demonstração de manipulação partidária, oficialismo e desconhecimento de nossa realidade política que é de causar vergonha aos que, ao longo da história, empunharam as bandeiras nobres da Internacional Socialista.”
A nota foi assinada por José Anibal, então presidente nacional do partido.
5) O PSDB ESTEVE LONGE DE FAZER UM GOVERNO DE DIREITA.
A acusação de que o governo Fernando Henrique Cardoso foi de direita carece de qualquer embasamento ideológico com o que seja o conservadorismo ou qualquer outra vertente integrada vulgarmente à direita.
Mesmo sem qualquer apelo à família tradicional, à religião ou ainda a outros valores conservadores, para corroborar tal julgamento, normalmente a palavra direita é justificada com a palavra privatização, o que não é apenas um erro, a julgar o período histórico, como equivocado em relação aos próprios modelos de privatização adotados por Fernando Henrique, longe de qualquer ideário liberal.
FHC deu apenas continuidade a uma política de descentralização inescapável para aliviar os gargalos de um país em processo de abertura – uma política iniciada por Collor e continuada por Itamar, depois de décadas de uma ditadura militar recordista na criação de empresas estatais (a ditadura militar criou cerca de 60% das empresas estatais no país). Tal política foi seguida por Lula e Dilma.
Pouco antes de entregar o poder, em 2002, Fernando Henrique rejeitou o título de “neoliberal”.
“Nunca houve uma chance do neoliberalismo aqui. Esse é um país muito pobre e o Estado terá sempre um importante papel na diminuição das diferenças sociais. Nós liberalizamos mas não promovemos uma varredura do que existia antes. No Brasil, o gasto público, na verdade, aumentou como porcentagem da produção econômica.”
Apesar das privatizações, Fernando Henrique é responsável por criar agências reguladoras com grande centralização de atuação no mercado. A lista de agências é extensa. FHC criou a Agência Nacional de Águas (ANA), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Das 10 em atividade no país, ele criou 9.
6) NEM LULA ACHA QUE O PSDB É UM PARTIDO DE DIREITA.
Até mesmo o maior adversário eleitoral do PSDB, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, considera o PSDB um partido de esquerda. Para Lula, PT e PSDB são “que nem dois jogadores de futebol, somos amigos, somos até irmãos e estamos jogando em times diferentes”.
Na campanha presidencial de 2010, que contaria com Dilma, Serra, Marina Silva e Plínio de Arruda Sampaio, ele comemorava a ausência de candidatos de direita na disputa.
“Vocês querem conquista melhor do que numa campanha neste país a gente não ter nenhum candidato de direita? Porque antigamente, como é que era a campanha? Era o de centro-esquerda ou de esquerda contra os trogloditas de direita. Era assim toda campanha. Começou já a melhorar comigo e com o Fernando Henrique Cardoso – já foi um nível elevado. Depois eu e Serra também. Depois eu e Alckmin baixou o nível – por conta dele, não por minha conta. Mas agora, se tiver se apresentando os candidatos que eu estou vendo aí, vai ser uma coisa inédita neste país. Se tiver quatro ou cinco candidatos, são todos do espectro de esquerda. Uns podem não ser mais tão à esquerda quanto eram, mas não tem problema. A história e a origem dão credibilidade pro presente das pessoas. Essa eu acho que é uma conquista que nós precisaríamos aprender a valorizar. Porque era inimaginável até outro dia que nós chegássemos a esse momento do Brasil – não ter um candidato que represente a direita. É fantástico.”
Se você é um eleitor de Lula, lembre-se disso na próxima vez que chamar o PSDB de direita. Nem ele concorda com você.
7) A CIÊNCIA AJUDA A EXPLICAR DE ONDE VEM ESSA HISTÓRIA.
Nem Lula e nem FHC consideram o PSDB um partido de direita. E não são os únicos: os principais pensadores e militantes conservadores condenam o partido e o entregam à esquerda.
Logo, não há qualquer base intelectual, militante ou histórica que ligue o partido de Fernando Henrique Cardoso à direita, seja lá o que se entenda por direita. Ainda assim o termo insiste em aparecer nos debates associado ao partido como uma clara extensão daquilo que a ciência política chama de Janela de Overton. Como parece claro aqui, tratar o PSDB como um partido de direita é uma tentativa de trazer todo espectro político mais à esquerda, radicalizando o debate e transformando qualquer figura que não seja de esquerda em extrema-direita. A concepção da Janela de Overton foi criada pelo americano Joseph P. Overton, então vice-presidente do Mackinac Center for Public Policy. A utilização dela nesse debate transforma qualquer organização, partido ou pensador que não seja de esquerda, em radicais – concedendo à esquerda a sensatez da opinião pública.
Antes tarde do que nunca, é chegada a hora de fechar as janelas da desinformação.