A conversa por telefone com Maria Carolina Silva Flor, de 23 anos, é permeada por sons de bebês. Ela conseguiu 30 minutos entre a fisioterapia da pequena Maria Gabriela e os horários de alimentação das crianças para falar com a BBC News Brasil. Moradora da cidade de Esperança, no interior da Paraíba, a jovem já tinha um filho de um ano quando engravidou pela segunda vez, em 2016.
No início da gestação, que não foi planejada, passou uma semana sentindo fraqueza, teve febre e dor de cabeça. Logo, começaram a aparecer manchas. Era o vírus da zika. Os ultrassons feitos durante a gravidez não foram conclusivos. A certeza só veio depois do parto. A bebê tinha microcefalia.
A vida da família mudou com a rotina de tratamentos da menina. Para tentar evitar uma nova gravidez inesperada, Maria Carolina e o marido, Joselito, decidiram ir atrás de um método contraceptivo de longo prazo, que não dependesse tanto da memória quanto o anticoncepcional em pílula.
“Quando a gente vai para o médico, a primeira coisa que eles fazem é oferecer a pílula ou camisinha. Eles nunca oferecem o DIU. Para chegar ao DIU eu que fui atrás. Li sobre isso na internet e cheguei ao posto e falei que sabia desse método”, contou.
Mas, ao pedir para colocar o DIU (Dispositivo Intra-Uterino) de cobre pela rede pública, a resposta foi desanimadora. Teria que passar por uma bateria de exames e a espera para conseguir fazer tudo era longa. Os meses foram passando sem previsão de conseguir colocar o dispositivo.
Ao saber da situação de Maria Carolina, uma ONG se mobilizou para doar a ela o DIU de cobre; uma médica de Campina Grande, na Paraíba, soube do problema e se dispôs a fazer o procedimento. “Gabi fez três meses e nada de eu conseguir nem marcar consulta. Foi aí que, por outros meios, eu consegui o DIU de cobre.”
A dificuldade enfrentada por Maria Carolina não é um caso isolado. Nessa reportagem exclusiva, a BBC News Brasil mostra o falho e desigual acesso a métodos contraceptivos pelo Sistema Único de Saúde.
As dificuldades incluem desinformação, falta de equipamentos e treinamento dos profissionais de saúde, além de expressivas diferenças entre Estados.
As mulheres em idade fértil (dez a 49 anos) que recorrem ao SUS podem, em tese, escolher entre sete métodos: injetável mensal, injetável trimestral, minipílula, pílula combinada, diafragma, e Dispositivo Intrauterino (DIU) de cobre, além de camisinha. Também é possível fazer laqueadura, processo de esterilização, se a mulher tiver mais que 25 anos ou dois filhos. No caso dos homens, o acesso é gratuito a camisinha e vasectomia, também se o homem tiver mais de 25 anos e dois filhos.
A pílula do dia seguinte deve ser oferecida gratuitamente a quem procurar as unidades de atenção básica relatando ter feito sexo sem proteção ou falha do preservativo.
Mas, na prática, a dificuldade para agendar a colocação do DIU é grande e, em alguns Estados, esse método sequer é oferecido. Também falta injeção trimestral em postos de saúde e a espera para fazer vasectomia e laqueadura é longa, principalmente no Norte e Nordeste, de acordo com pacientes, funcionários de saúde e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
O obstáculo, em outros casos, é religioso. Um exemplo é o do Hospital Santa Marcelina, entidade filantrópica de São Paulo (SP) que atende pacientes do SUS e conveniados, mas não realiza o procedimento de laqueadura.
A BBC News Brasil fez o teste: ligou para o Santa Marcelina perguntando se poderia agendar a cirurgia e foi informada de que isso não seria possível. Ao perguntar o motivo, recebeu a informação de que se trata de uma entidade filantrópica, controlada por freiras.
A reportagem perguntou à instituição se o motivo, então, seria religioso, e a resposta foi “sim”. Procurada por email, a assessoria de imprensa do Santa Marcelina disse que não comentaria o assunto e disse que há outros hospitais na cidade de São Paulo que fazem o procedimento.
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Fonte: BBC