*Com informações da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal do Pará
15 de agosto, o feriado estadual é celebrado como o Dia da Adesão do Pará, a data marca a Adesão da Província do Grão Pará à independência do Brasil. O Estado do Pará teve a sua adesão em 1823, um ano após a independência do Brasil.
Como aconteceu a adesão do Pará à Independência? Literalmente, e exatamente no dia 15 de agosto de 1823, várias autoridades da então Província do Grão-Pará assinavam de forma protocolar e festiva no Palácio Lauro Sodré, o documento que colocava fim à hegemonia portuguesa no Estado. Consumava-se ali, a Adesão do Pará à Independência do Brasil.
Há exatos 200 anos atrás, em 15 de agosto de 1823, o Pará se unia ao resto do Brasil em sua independência da Coroa Portuguesa. Com fortes influências da elite lusitana, o Grão-Pará, como era conhecido na época, foi a última província a reconhecer o Império Brasileiro, quase um ano depois da Declaração da Independência.
Os generais, cardeais e comerciantes eram todos de origem portuguesa e não queriam que o Pará aderisse à Independência do Brasil, porque este ato significava perder os privilégios políticos. Por causa da menor distância de navegação em relação a Portugal, Belém também tinha relações tão estreitas quanto o Rio de Janeiro com a corte europeia.
O blefe de Grenfell para impor a assinatura da adesão
Sendo assim, esse fato histórico não aconteceu de maneira pacífica. Em 1823, Dom Pedro I enviou até o Pará o comandante inglês John Grenfell. Ele desembarcou trazendo aos governantes do Estado um documento afirmando que havia uma esquadra em Salinas, região litorânea do nordeste paraense, a cerca de 200 km de Belém, pronta para bloquear o acesso ao porto da capital, isolando o Pará do resto do Brasil, caso a adesão não fosse aceita.
O documento foi assinado. Mas, segundo historiadores, o relato da esquadra ancorada para atacar o estado não passou de um blefe. A ata contendo 107 assinaturas de autoridades da época, concordando com a separação de Portugal, foi assinada no Palácio Lauro Sodré, sede da Colônia Portuguesa do Grão- Pará na época, e encontra-se hoje no Arquivo Público do Estado.
Para a professora da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA), Magda Ricci, a adesão do Pará foi um momento histórico no qual se inicia o desenvolvimento de uma identidade brasileira entre o povo paraense, que, até então, tinha muito mais vínculos com os portugueses do que com o resto do Brasil.
“É um momento especial de formação de uma identidade local. O que nasceu mais rápido foi um sentimento de pertencimento ao Pará. A adesão do Pará e a dos paraenses à causa brasileira em 15 de agosto de 1823 foi o primeiro passo para a formação de uma identidade patriótica maior, porém esse processo identitário foi longo e cheio de reveses”, explica a historiadora. O Grão-Pará foi a última Província a aderir à Independência, entretanto foi o primeiro a apoiar os portugueses na Revolução liberal de 1820.
A pesquisadora da UFPA considera que a resistência aconteceu por causa da forte ligação da Província com comerciantes de Portugal. “Belém, por exemplo, tinha o mesmo status que a cidade lusitana do Porto e o bispado daqui esteve, até 1826, institucionalmente atrelado ao Patriarcado de Lisboa, o que fortalecia os laços entre paraenses e portugueses. Também a distância e a navegação (à época feita por velas e dependente dos ventos) era bem mais segura e rápida para Lisboa do que para o Rio de Janeiro, o que facilitava o comércio e as relações sociais e políticas com Portugal.”
Após a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, a relação da Província com as Cortes de Lisboa, entretanto, ficou estremecida. “As Cortes de Lisboa foram se radicalizando e se tornando menos propícias a ouvirem deputados de fora de Portugal, mesmo assim, os três deputados do Pará e do Rio Negro estavam entre os poucos brasileiros que ficaram até o final das Cortes e assinaram a constituição portuguesa”, discorreu a professora.
Outro fato que colaborou para a assinatura do termo de adesão do Estado à Independência foi o blefe realizado por uma frota de militares enviada por D Pedro I, comandada pelo comandante Grenfell, com o intuito de unir o país e incentivar a adesão à causa da independência.
Brigue Palhaço, morte de 256 paraenses e a Cabanagem
“O ingresso do Pará a República pouco mudou na vida dos paraenses, especialmente na vida dos mais pobres e dos escravos, dos povos indígenas e dos mestiços. Deixamos de pertencer ao império português com sede em Lisboa e passamos a pertencer ao império brasileiro, com sua Corte no Rio de Janeiro. Havia uma expectativa de mudanças, especialmente entre os paraenses natos. Contudo nada disso ocorreu e rapidamente eclodiram revoltas. A do Brigue Palhaço foi a mais conhecida e trágica”, aponta a historiadora.
Revoltas após a adesão – O processo de adesão no Pará foi complexo e delicado, já que bastava assinar um documento e jurar fidelidade ao novo monarca Pedro I para ser considerado brasileiro e manter seus títulos e poderes no novo Estado imperial carioca. Esta situação revoltou parte da população paraense, especialmente os funcionários públicos e militares.
“Três meses após a adesão, uma revolta das tropas paraenses em Belém foi duramente reprimida”. Exatos 256 paraenses que lutavam por direitos iguais aos dos portugueses que aqui viviam foram confinados no porão do navio São José Diligente, o Brigue Palhaço e morreram asfixiados, sufocados ou até mesmo fuzilados. Esse episódio marcou um momento de consciência política e de identidade local. Nasceu ali um forte sentimento de identidade paraense que irá explodir mais tarde, em outros movimentos, como na revolucionária Cabanagem, que eclodiu em Belém em janeiro de 1835.
Identidade brasileira no norte do Brasil
“A dúvida maior era a de se descobrir como se tornar ‘brasileiro'”, explica Magda Ricci. Para alguns paraenses, ser brasileiro era aderir ao movimento liderado por Pedro I a partir da Corte carioca; para outros, era ter nascido no Estado Imperial. “Assim, depois da adesão de 1823, houve ainda um tempo de incertezas e dúvidas.
Se a elite local estava dividida, a população mais pobre e os escravos de origem africana perceberam rapidamente que a independência não mudou suas vidas e, diante da fragilidade da elite, poderiam também fazer uma revolução mais ampla. Tudo isso, culminou em muitos levantes e mortes, que chegaram ao seu ponto culminante com a eclosão cabana de 1835-1840.”
Construção de uma identidade brasileira – De acordo com a pesquisadora, este processo de construir uma identidade brasileira no Norte do Brasil ainda não se encerrou e permanece “até os nossos dias, quando, mais do que nunca, ainda se faz necessário lutar para se demarcar uma identidade nacional mais ampla. Aquela formadora de uma cidadania plena não só de direitos legais e constitucionais (que ainda assim são insuficientes), mas também, sobretudo, uma cidadania agregadora de práticas sociais e políticas mais igualitárias e justas”, considera.