O acalorado discurso político, antes restrito a palanques, rádios e televisões, cedeu abruptamente espaço à nova era digital. Mas, para compreendermos esse cenário, é preciso revisitar a história.
Em 1990, o sistema eleitoral brasileiro adotou a urna eletrônica, um marco profundo na informatização das eleições. A chamada Era Digital ampliou a comunicação política e fortaleceu o trabalho da Justiça Eleitoral.
O cenário é, de fato, prático e promissor: todo avanço traz consigo a esperança de um futuro melhor. No entanto, velhos hábitos ressurgem com nova roupagem. A tecnologia muda as ferramentas, mas as táticas de manipulação permanecem.
Não é exagero afirmar que o voto, embora secreto, está mais exposto do que nunca. Com a inteligência artificial generativa, o uso de deepfakes, bots e perfis falsos tornou-se mais sofisticado e difícil de detectar. A manipulação deixou de ser apenas discursiva: tornou-se visual, emocional e quase imperceptível. O resultado é um eleitorado cada vez mais vulnerável a desinformações com aparência de verdade.
A era digital também trouxe novas formas de abuso eleitoral. A compra de votos deu lugar ao microtargeting emocional. A boca de urna transformou-se em disparos em massa por aplicativos de mensagem. Os boatos se converteram em fake news com aparência profissional. O cabo eleitoral foi substituído por robôs. Mudou o meio, mas a intenção — e o impacto — continuam os mesmos.
É inegável, contudo, que a Justiça Eleitoral brasileira é referência mundial em informatização. A urna eletrônica e a identificação biométrica simbolizam uma tecnologia evolutiva que permeia toda a administração eleitoral, garantindo a segurança e a inviolabilidade do processo de votação.
O problema não está no voto em si, mas na formação da consciência do eleitor, cada vez mais moldada por algoritmos, impulsionamentos pagos e bolhas digitais que reforçam certezas e eliminam o contraditório.
Se hoje já vivemos os efeitos da digitalização da política, o futuro apresenta desafios ainda maiores. Como garantir que eleições crescentemente influenciadas por ferramentas tecnológicas não sejam capturadas por mecanismos invisíveis de manipulação? Como preservar a soberania popular em um ambiente em que a dúvida se propaga mais rápido que a verdade?
A resposta talvez esteja na convergência entre tecnologia, regulação e educação. Precisamos de mecanismos legais eficazes, transparência algorítmica e responsabilização das plataformas digitais. Mas, sobretudo, precisamos de um eleitorado crítico, consciente e bem informado. A defesa da democracia não se faz apenas nas urnas, mas na construção contínua da confiança entre sociedade e instituições.
Como advogada eleitoral, afirmo: a integridade das eleições hoje depende não apenas do voto registrado, mas da qualidade da informação que o forma. O processo democrático está sendo disputado no ambiente digital — um espaço fluido, opaco e em constante disputa.
A desinformação não é um acidente: é uma estratégia. Ela se adapta às emoções e ansiedades do eleitor. Por isso, já se fala em combater o abuso de poder algorítmico. E, com a proximidade de eleições nacionais, essa discussão deve ser tão firme quanto as próprias ofensivas digitais.
Importa frisar: a tecnologia, quando usada para fins lícitos, garante avanços sociais e institucionais. Demonizá-la seria um erro. O caminho é a regulamentação inteligente, técnica e transparente.
A construção de um pleito justo e equilibrado em tempos digitais passa, inevitavelmente, pela educação. O eleitor precisa ser conscientizado não apenas sobre seus direitos, mas também sobre seus limites éticos e sobre os riscos da manipulação digital.
Cabe à advocacia, ao Poder Judiciário, ao Legislativo e à sociedade civil enfrentar essa nova fronteira democrática. Se não atualizarmos nossas ferramentas jurídicas, corremos o risco de manter eleições formalmente regulares, mas substantivamente manipuladas.
O grande desafio está em equilibrar a liberdade de expressão — princípio basilar da democracia — com a necessidade de combater a desinformação e o uso indevido da tecnologia.
Concluo reforçando o incansável trabalho da Justiça Eleitoral em acompanhar a Era Digital e se atualizar para não perder o ritmo das inovações. Ainda assim, a educação digital deve ser debatida constantemente, até que consigamos estar em nível igual ou superior aos que tentam burlar a lisura dos pleitos eleitorais.
Por Mariana Pereira de Oliveira, advogada especializada em Direito Eleitoral; Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Subseção de Santa Inês (MA) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MA).