Confesso, sem qualquer constrangimento, que nutro uma profunda admiração por Israel e pela cultura judaica. Não apenas pelo fascínio histórico ou pelo legado civilizacional, mas também pela contribuição teológica que o povo judeu oferece à história da salvação – afinal, o Deus dos cristãos, nasceu judeu. Há também as Sagradas Escrituras do Antigo Testamento, que justifica meus estudos ao hebraico bíblico — uma língua que não apenas comunica, mas carrega em suas raízes camadas de significado espiritual, poético e teológico. Sempre que me preparo para ensinar ou pregar, recorro ao texto hebraico, buscando ouvir, nas entrelinhas, ecos mais fiéis da revelação.
Aprecio também os escritos de estudiosos judeus, como os publicados na tradicional revista Marashá, e mantenho vínculos respeitosos com amigos da comunidade judaico-messiânica — inclusive, com uma sinagoga bem próxima da minha casa. Essas conexões, longe de serem meramente culturais, são espiritualmente enriquecedoras.
No entanto, quando o assunto diz respeito aos conflitos que envolvem o Estado moderno de Israel — especialmente no cenário recente —, torna-se necessário um cuidado redobrado. A análise desse tema exige não apenas sensibilidade, mas também honestidade intelectual e teológica. Há dimensões geopolíticas, ideológicas e históricas extremamente complexas, e não pretendo aqui assumir o papel de especialista em relações internacionais.
Dito isso, compartilho algumas convicções que, acredito, todo cristão consciente deveria considerar.
A primeira é que o amor cristão não se limita por fronteiras étnicas ou nacionais. Amo tanto os judeus quanto os palestinos, os iranianos, os libaneses e qualquer outro povo. A dor de qualquer criança ferida pela guerra — seja em Gaza, Tel Aviv ou Teerã — deve comover o coração de quem professa seguir a Cristo. Não cabe ao cristão celebrar a morte, nem justificar a injustiça, seja de que lado for.
Já minha segunda consideração é, talvez a mais desconfortável, especialmente para os de certa ala evangélica mais alinhada ao dispensacionalismo – teoria escatológica muito popular no Brasil e nos EUA e que vê o moderno Israel como algo profético. Aqui, é preciso ser claro: o Israel moderno não é o Israel bíblico. O Estado fundado em 1948, com todo o direito legítimo à sua existência dentro dos marcos da história e da política internacional, não se confunde com o “povo da aliança” nas categorias do Antigo Testamento. Não é o Israel de Moisés, Josué, Ezequiel ou Jesus Cristo. Essa não é uma opinião isolada, mas uma compreensão amplamente sustentada por séculos de exegese cristã.
Afirmo que essa opinião é, inclusive, compartilhada pela própria Bíblia. As promessas do Antigo Testamento encontraram seu cumprimento cabal em Cristo. E com a encarnação, morte e ressurreição do Messias, a antiga aliança foi encerrada, dando lugar à nova aliança no sangue do Cordeiro (cf. Hb 8.13). O próprio Jesus, em lágrimas, profetizou a destruição do templo e de Jerusalém, evento que se cumpriu no ano 70 d.C., marcando teologicamente o fim da antiga ordem (cf. Mt 24; Lc 19.41-44). O Israel de hoje é uma criação bem recente da ONU – e não questiono o seu direito de existir, muito pelo contrário. Até porque o povo judeu tem sim seu direito a exitir enquanto nação – da mesma forma que os palestinos deveriam ter tal direito reconhecido por todos. Mas isso não significa que o Israel de hoje seja o da Bíblia, e nem que o judaísmo atual seja o praticado por Jesus, por exemplo. De fato não é. Após cumprida as profecias de Jesus contra Israel, o antigo judaísmo desapareceu da face da Terra, dando lugar ao judaísmo rabínico que conhecemos hoje. E está tudo bem – não é uma crítica.
Portanto, a existência ou não do Estado de Israel, sua permanência ou eventual queda, são temas absolutamente legítimos no campo das análises políticas, diplomáticas e humanitárias — mas não possuem qualquer relevância escatológica na perspectiva cristã histórica. O centro da esperança cristã não está em Jerusalém terrestre, mas na Jerusalém celestial (cf. Ap 21).
Isso, porém, não anula o apreço, o respeito e a solidariedade que devemos ter por Israel enquanto nação e por todos os povos da região. Pelo contrário, reafirma que a Igreja — composta de judeus e gentios redimidos — é hoje o verdadeiro povo de Deus, herdeiro das promessas, templo do Espírito e sinal do Reino no mundo.
Cristo reina. E enquanto Ele reina, nossa missão permanece: sermos embaixadores da reconciliação, pregadores da paz e testemunhas de um Reino que não se curva aos impérios deste século.
Deus nos abençoe, em Cristo.