Como disse Julia Sabbaga em “Omelete” sobre o “O Tigre Branco” é “..conto de fadas cruel e real”, e de fato o é mesmo. Tem como contexto as castas na índia, a pobreza, a exploração, os espertalhões que se aproveitam deste cenário para se darem bem usando inclusive a política.
SINOPSE DO ADORO CINEMA
A Netflix não está querendo desperdiçar as suas chances durante a próxima temporada de premiações. Em uma questão de meses, o serviço de streaming lançou títulos estratégicos como Mank, Ma Rainey’s Black Bottom e o tocante Pieces of a Woman, com Vanessa Kirby. Contudo, em O Tigre Branco, a plataforma conseguiu alcançar um bom equilíbrio entre o cinema autoral — que pode agradar a bancada do Oscar — e o entretenimento mais descompromissado.
Na trama, um motorista indiano chamado Balram (Adarsh Gourav) utiliza a sua ambição e inteligência para escapar da pobreza extrema. Porém, antes de ascender socialmente, ele precisará tomar algumas decisões controversas.
Apesar de simples e semelhante a fenômenos recentes como Parasita e O Poço, O Tigre Branco encontra certa singularidade através de um roteiro bem assertivo, que ilustra de forma ácida a relação degradante entre mestres e servos. Esse tom áspero — e muitas vezes irreverente — é o que mantém o filme nos trilhos por grande parto do tempo.
Caso o cineasta Ramin Bahrani (Fahrenheit 451) optasse por uma abordagem mais sóbria, o resultado definitivamente seria panfletário, já que as reflexões e situações retratadas no longa estão longe de serem novidades na sétima arte. Mas o intuito aqui não é inovar, e sim, evidenciar o quanto somos frágeis perante os sistemas sócio-políticos que regem a humanidade.
Neste sentido, a produção da Netflix consegue brilhar, já que não tem medo de cutucar feridas e ignorar moralismos. Para alcançar os seus objetivos, o protagonista precisará prejudicar inocentes, trair a si mesmo e cometer alguns crimes no caminho. Apesar de pessimista, essa é a realidade de muitos, e não há escapatórias.
Tais provocações podem afastar os espectadores mais conservadores, mas com certeza acenderão debates importantes acerca do que é justiça. Ela realmente existe? Todos temos o poder da escolha? Aliás, Adarsh Gourav é o responsável por legitimar todas essas questões da narrativa.
Como o motorista do instável e manipulável Ashok (Rajkummar Rao), o intérprete de Balram consegue cativar o público, que compreende até mesmo os seus piores impulsos. Não há como culpá-lo diante de todo o contexto em que está inserido. Mesmo assim, o roteiro escapa do tendencionismo, e não coloca o personagem como vítima. Há sempre uma equivalência entre as atrocidades cometidas e sofridas pelo personagem.
Priyanka Chopra também entrega uma performance competente como Pinky, a esposa de Ashok. Sempre confrontando valores e tradições incoerentes, a atriz acaba se transformando em um “ponto de lucidez” no mundo caótico de O Tigre Branco. Porém, Gourav é quem realmente rouba a cena com a sua personalidade sarcasticamente inocente.
“Os pobres só têm duas formas de chegar ao topo: política ou crime. Não é a mesma coisa em seu país?”, indaga o ator em uma de suas inúmeras pontuações afrontosas — e infelizmente universais.
Porém, o que diferencia a nova produção da Netflix de obras do gênero como Quem Quer Ser um Milionário? ou Parasita é a sua falta de inovações. Sem quebrar quaisquer convenções ou oferecer novos pontos de vista, o projeto de Ramin Bahrani acaba se desenvolvendo em um território previsível, pouco inventivo.
A preocupação em provocar acaba ofuscando até mesmo as unidades mais primordiais do roteiro — como o arco do protagonista, que acaba sendo finalizado de maneira ligeiramente brusca. Mesmo assim, a montagem dinâmica, ritmo coerente e diálogos pontuais fazem a experiência ganhar um espaço especial no catálogo do serviço.