Vamos analisar o tempo em que vivemos, uma era em que a política deixou de ser espaço de ideias para se tornar palco de performances. A eloquência cedeu lugar ao sarcasmo; o debate cedeu lugar à provocação. O Parlamento virou feed, e o governante virou influencer.
Zygmunt Bauman, ao falar da modernidade líquida, alertou sobre a fragilidade dos vínculos humanos e sociais. Na política, essa liquidez se expressa na superficialidade dos discursos, na velocidade com que alianças são formadas e desfeitas, e na transformação da opinião pública em audiência passiva — mais interessada em “quem venceu o embate” do que o que foi debatido.
A consequência é visível: cresce o número de pessoas que dizem não acreditar “em político nenhum”. Mas o problema não é apenas de descrença — é de desnutrição democrática. Alimentamos uma política baseada em memes, cancelamentos e lacrações, e depois nos surpreendemos com o esvaziamento do conteúdo e o descrédito das instituições.
O direito à democracia pressupõe o direito à complexidade. Supõe que nem todas as decisões cabem em 280 caracteres, nem todos os argumentos podem ser entregues com uma dancinha no TikTok. E, no entanto, é exatamente esse formato que domina — porque a política também foi capturada pela lógica do consumo rápido e do entretenimento constante.
A justiça, por sua vez, também é afetada. Cresce a judicialização da política — e o Judiciário, diante de um Congresso paralisado ou midiático, se vê obrigado a decidir sobre temas que deveriam ser frutos de amplo debate legislativo. A consequência? O cidadão, já confuso, não sabe mais a quem recorrer, em quem confiar ou o que de fato é “decisão democrática”.
Se tudo é palco, quem governa de verdade?
Precisamos urgentemente resgatar a densidade da política. Reconectar a juventude à ideia de representação, não como um cargo, mas como um compromisso. Ensinar que o poder não se sustenta em seguidores, mas em responsabilidade pública. Que uma política séria não é necessariamente sisuda — mas é sempre profunda.
Bauman dizia que “num mundo líquido, a busca por segurança se torna mais intensa que a busca pela liberdade”. Talvez, hoje, o grande gesto de resistência seja desacelerar. Desligar o palco. E reaprender a pensar — antes de a política se tornar apenas um espetáculo vazio, transmitido ao vivo, com aplausos programados e consequências reais.