“Raio que o parta” é uma expressão idiomática coloquial usada para expressar irritação, indignação ou desprezo por alguém ou algo. Ela é usada como uma forma pejorativa de mandar alguém embora ou para longe, muitas vezes demonstrando descontentamento ou raiva em relação a essa pessoa ou situação.
Na arquitetura paraense, o “Raio que o Parta” (RQP) emergiu como uma expressão renovada de beleza e estilo. Presente nas fachadas das residências em Belém e em todo o estado do Pará, este conceito singular se destaca pela composição de murais feitos de cacos de azulejos coloridos. Esses fragmentos, muitas vezes dispostos em formatos de raios, bumerangues e setas, dão vida a um estilo distintivo que se integra à paisagem urbana. Mais do que meramente decorativos, esses murais representam uma manifestação autêntica e marcante da expressão artística na arquitetura paraense.
Criado por moradores, mestres de obra e engenheiros, o “Raio que o Parta” representava uma inovação que ecoava entre a classe média daquela época, fortemente influenciada pelo desejo de modernidade entre as décadas de 30 e 50. Além disso, este estilo arquitetônico conquistou também o coração de diversas camadas sociais no Estado do Pará, tornando-se uma tendência popular amplamente difundida. No entanto, é possível encontrar residências em diferentes estados brasileiros que compartilham características semelhantes ao “Raio que o Parta“, como o complexo da Pampulha em Belo Horizonte.
A pesquisadora e doutora Laura Costa embarcou em estudos dedicados ao “Raio que o Parta” desde 2015, inicialmente como parte de sua pesquisa de mestrado e atualmente desenvolvendo sua tese de doutorado. Seu trabalho aprofunda-se nas diversas nuances desse estilo arquitetônico peculiar. Em uma entrevista concedida à TN Brasil TV, a pesquisadora expandiu a visão sobre o início das discussões acerca desse tema:
“Existem muitas coisas que podem ser ditas sobre o Raio que o Parta e algumas delas tem sido divulgadas com muita frequência nos últimos tempos, a respeito da origem no Pará e a associação do Raio que o Parta com a cultura paraense pelo fato de ser caracterizado por painéis que são bastante coloridos e expressivos, com desenhos de raios, figuras da natureza ou formas abstratas”.
“Desde os anos 90 já se fala sobre esse assunto, antes mesmo dele virar uma tendência entre o público jovem, principalmente, e entre acadêmicos e formandos nas áreas de Artes, Design e Publicidade e História, por exemplo”.
“Quando começou a se falar sobre o Raio que o Parta, ainda era muito nesse tom de não o considerar como arquitetura, mas como uma expressão popular, que não poderia ser caracterizado como um estilo arquitetônico por não ter sido feito por arquitetos e sim por desenhistas, pedreiros, engenheiros civis, mestre de obra. Então não era considerado algo que fosse de muita importância dentro da História da Arquitetura, mas algo que precisava ser considerado enquanto produção paraense, dada essa expressividade. E a partir dos anos 2000 começa a ser discutido um pouco mais sobre essa relevância para a cultura, embora ainda se tivesse essa noção de que era uma arquitetura de fachadas.”
Ela compartilha como as pesquisas mais recentes começam a lançar uma nova luz sobre o “Raio que o Parta”:
“Então, as pesquisas mais recentes começam a trazer esse novo olhar de encarar o Raio que o Parta não só com uma manifestação cultural que faz parte do nosso Estado, que é típico do nosso Estado (embora possamos encontrar em outros lugares também, fora do Pará), mas como Arquitetura mesmo, por ser produzida por não arquitetos, mas ainda assim uma Arquitetura, que tem a sua expressividade e originalidade, pelas soluções que foram adotadas nas cidades paraenses e pela maneira como ela se disseminou, tanto nas regiões de centro das cidades quanto nas mais periféricas, com menos infraestrutura, demonstrando que ele consegue se adaptar.”
“Essa mudança de perspectiva em relação ao Raio que o Parta é importante ressaltar, que inicialmente era visto como uma “não-arquitetura”, e sim como uma produção popular, e agora como patrimônio cultural paraense, uma Arquitetura, um estilo, uma forma de produzir original e autêntica, que merece ser preservada. Esse é o tom que vem sendo dado nas últimas produções a partir de 2012.”
“Vem se discutindo muito sobre a importância a partir desse reconhecimento de preservar essas obras, porque se tem observado que é muito comum as pessoas empregarem suas reformas e além dessa discussão, tem sido trazido muito a perspectiva dos moradores. Aquelas pessoas que vivem nessas casas, que possuem essas casas e que são aqueles que vão interferir diretamente nas obras, seja pela manutenção ou pela reforma.”
“Essa perspectiva eu venho trazendo desde 2015, em minha dissertação de mestrado e agora na tese de doutorado, em que eu reforço esse ponto de vista e como podemos, através do entendimento de como essas pessoas vivem e veem o Raio que o Parta, trabalhar essa noção da Preservação e do entendimento do Raio que o Parta como patrimônio. Para que ele possa ser mantido no Pará, na sua materialidade, não somente no aspecto imaterial que é algo que vem sendo bastante explorado nas redes sociais, com mapeamento, apropriação da própria estética para fazer produtos e tudo mais.”
No seu estudo mais recente, a pesquisadora destaca uma significativa contribuição ao permitir uma visão mais abrangente do “Raio que o Parta” que vai além das fachadas. Suas pesquisas oferecem insights valiosos, revelando camadas mais profundas e ampliando a compreensão desse estilo, transcendendo as superfícies das construções para explorar suas implicações mais amplas na cultura e na identidade:
“Como contraponto a essa noção que se tinha de ser uma arquitetura de fachada, atualmente trazemos essa discussão, pelo menos agora na tese de doutorado, de que o Raio que o Parta não apenas aconteceu à nível de fachada, mas ele foi entendido como uma forma de viver a Arquitetura Moderna através da imagem do moderno, então isso não vai acontecer somente no exterior, mas também na própria disposição interna, seja dos móveis, o uso dos revestimentos e na organização espacial também. Embora ainda se combine alguns elementos do partido moderno com o programa tradicional da arquitetura brasileira.”
O conhecimento proveniente de estudos científicos, como o realizado por Laura Costa, não apenas amplia nosso entendimento sobre o tema específico, mas também proporciona um panorama mais abrangente, permitindo-nos conhecer melhor a nós mesmos como indivíduos e como parte de uma coletividade. Ao explorar a fundo as nuances do “Raio que o Parta” e suas conexões culturais, esses estudos fornecem insights valiosos sobre nossos gostos, referências e, de maneira mais ampla, contribuem para a compreensão da identidade coletiva que compartilhamos.
A valorização da produção artística, arquitetônica e cultural autêntica da Amazônia é um compromisso que deve envolver cada cidadão. O “Raio que o Parta” emerge como uma peça essencial da identidade paraense, e, nesse contexto, todos compartilhamos a responsabilidade de construir nossa própria narrativa histórica e social. É através desse comprometimento coletivo que podemos verdadeiramente preservar e celebrar as riquezas culturais que moldam a singularidade da Amazônia.
Nota: Laura Caroline de Carvalho da Costa é bacharel em Design (UEPA), arquiteta e urbanista (UFPA), mestre e doutora em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFPA) e é professora do Instituto Federal do Pará (IFPA), pesquisadora do LAMEMO-UFPA (Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural). Atua também como voluntária na Organização Internacional Nova Acrópole em Belém.