A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o estelionato sentimental, caracterizado pela simulação de relacionamento amoroso visando obter vantagem financeira, configura ato ilícito passível de indenização por danos morais e materiais – estes relativos às despesas extraordinárias decorrentes da relação.
O colegiado firmou esse entendimento ao negar provimento ao recurso especial de um homem condenado por induzir sua ex-companheira a pegar empréstimos em seu benefício, valendo-se de um envolvimento afetivo simulado.
A vítima, uma viúva 12 anos mais velha que o réu, disse ter repassado ao homem cerca de R$ 40 mil durante a relação. Após ela negar novo pedido de dinheiro, ele a abandonou e o vínculo entre ambos passou a ser marcado por conflitos. A mulher, então, ingressou com ação judicial pleiteando reparação por estelionato sentimental.
O juízo de primeira instância condenou o réu a pagar R$ 40 mil por danos materiais e R$ 15 mil por danos morais, decisão que foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. No recurso ao STJ, o homem alegou inexistência de ato ilícito e de dano indenizável, sustentando violação dos artigos 186 e 927 do Código Civil.
Valores transferidos não decorreram de obrigações naturais de um relacionamento.
A relatora do recurso especial, ministra Isabel Gallotti, explicou que o artigo 171 do Código Penal exige, para a configuração do estelionato, três requisitos: obtenção de vantagem ilícita em prejuízo de outrem, uso de meio fraudulento e indução ou manutenção da vítima em erro.
Segundo a ministra, tais elementos ficaram plenamente caracterizados no caso em julgamento, uma vez que os valores transferidos pela mulher não decorreram de obrigações naturais de um relacionamento, mas sim do atendimento a interesses exclusivamente patrimoniais do réu.
A relatora ressaltou que o homem tinha consciência da vulnerabilidade emocional da mulher e se aproveitou dessa condição para simular uma relação amorosa e manipular os sentimentos dela. Para isso, conforme apontou a ministra com base no processo, ele se utilizou de estratégias enganosas, como relatar falsas dificuldades financeiras e exercer pressão emocional para obter o dinheiro de forma fácil e rápida.
Gallotti também afirmou que, embora os pagamentos tenham sido feitos voluntariamente, sem qualquer coação direta, isso não descaracteriza o ato ilícito, uma vez que a essência do estelionato está justamente na ilusão criada pelo agente, fazendo com que a vítima atue enganada – no caso, sem perceber a inexistência do alegado vínculo afetivo.
“Dessa forma, como consequência da simulação do relacionamento e das condutas com o objetivo de obter ganho financeiro, em princípio, é devida à vítima indenização a título de danos materiais, pelas despesas extraordinárias decorrentes do relacionamento, e de danos morais, pela situação vivenciada”, concluiu.
Leia o acórdão no REsp 2.208.310.
RESUMO EM LINGUAGEM SIMPLES:
O STJ decidiu que o estelionato sentimental – quando alguém simula um relacionamento amoroso para obter dinheiro do outro – é um ato ilícito que gera direito à indenização por danos morais e materiais. O caso envolveu uma viúva que emprestou R$ 40 mil ao companheiro, que depois a abandonou. O tribunal destacou que houve fraude, pois ele se aproveitou da vulnerabilidade emocional da mulher, criando uma ilusão afetiva para convencê-la a lhe dar dinheiro. Mesmo sem coação direta, a vítima foi enganada, o que justifica a condenação ao pagamento das indenizações.
Fonte: STJ