Neste dia, em 1977, Presley era encontrado morto com 14 substâncias diferentes no sangue. Conheça o legado controverso do astro
O mundo ainda não tomou conhecimento do laudo oficial do médico legista sobre a morte de Elvis Aaron Presley. A única pessoa a ter informação sobre a causa da morte do homem que mudou o rumo da música popular mundial foi seu pai, Vernon, que levou o segredo para o túmulo em 1979, dois anos depois de perder o filho.
O que se sabe: Elvis tinha 14 substâncias diferentes no sangue, tomou uma overdose de analgésicos, pílulas para dormir e antidepressivos – um dentista o atendeu na véspera de sua morte, e às 8 da manhã ele pediu sedativos ao seu médico particular. No começo da tarde, sua namorada, Ginger Alden, saiu da cama e o encontrou caído no banheiro de sua mansão, Graceland, em Memphis. Os paramédicos chegaram exatamente às 14h33 e bombearam oxigênio em seus pulmões. Por nada. O rei estava morto.
Elvis morreu aos 42 anos. Acreditava ter excluído as drogas do dogma sexo, drogas e rock and roll. Ajudou o governo americano em campanhas contra substâncias ilícitas – ainda que tenha provado maconha, cocaína e LSD. Não tocava em bebidas alcoólicas.
Ele gostava mesmo era de remédios. Começou com anfetaminas na época em que serviu o Exército americano na Alemanha. Gostava de benzadrina, uma substância legal nos anos 1950. Só que ela tirava o sono. Então passou a consumir o resto da farmácia. De acordo com seus amigos e guarda-costas Red e Sonny West, fazia uso regular de anfetaminas como Dexedrima, Daxamylm Escotrol e Desbutal. Valium e Placidyl o ajudavam a dormir. O Seconal (depressor do sistema nervoso central) servia para a mesma tarefa. Depois foi para o opiáceo Dilaudid, usado por pacientes terminais de câncer.
Certa vez, depois de cancelar uma série de shows, o médico entrou em seu quarto e encontrou mais de 3 mil comprimidos. À lista, nos últimos anos de vida de Elvis, se juntaram esteroides contra asma, sedativos, barbitúricos e o narcótico Percoran.
Pouco menos de duas décadas antes de virar uma farmácia ambulante, o jovem Elvis, com seu topete montado à base de brilhantina Royal Crown, parou o caminhão da companhia para a qual trabalhava na frente da Memphis Recording Service, na Union Street. Numa tarde de sábado de 1953, gravou duas canções para dar de presente à mãe, Gladys Love. Uma cópia ficou na gravadora, com a etiqueta “bom cantor de baladas, manter contato”.
Vida que segue
Um ano depois, Sam Phillips, dono da Sun Records, que funcionava no mesmo endereço, procurava um intérprete para cantar Without You, um baladão.
Nos dias 5 e 6 de junho, Elvis fez diversas tentativas, experimentou várias canções, e nada rendeu. Não era o homem para o trabalho. Phillips estava pronto para desistir, quando, no intervalo das gravações, o cantor começou a brincar com That’a All Right (Mama), de Arthur Crudup.
A música era velha, de dez anos antes, e Crudup era negro. Mas assim a fama beijou o rosto de Elvis Presley, que a cantou não como um branquelo sulista. Ou não totalmente: ao blues negro, ele incorporou vários tiques da country music.
O estilo fez o homem. Desde que a família chegou a Memphis e Elvis buscou trabalho como lanterninha e caminhoneiro, adorava passear e fazer compras pela Beale Street, compondo um visual que era visto como garboso pelos negros – a rua era a maior artéria comercial de negros descolados da cidade –, mas um ultraje para um branco.
Lenços vermelhos no pescoço, casacos esportivos, camisas chamativas, óculos escuros. O visual dândi não agradou seus colegas conservadores, que passaram a vê-lo como um maricas afetado. Seu apelido no time de futebol do colégio era Miss Presley.
Sam Phillips sabia que algo estava acontecendo no cenário musical do sul dos Estados Unidos. Algo ainda sem nome, sem muita coerência – a música negra que misturava a força do blues com a sonoridade do gospel e… mais alguma coisa.
Apropriações
Rock and roll, então, era uma gíria de negros para sexo casual. Phillips costumava dizer que um branco que cantasse como negro – e, assim, fosse ouvido pelos brancos – era o negócio de 1 bilhão de dólares. Elvis foi esse branco.
Dois dias depois da gravação na Sun Records, o disc-jóquei Dewey Phillips, que comandava o Red, Hot and Blue, famoso por misturar country e blues no programa, botou para tocar That’s All Right (Mama). O telefone da rádio chamou. E chamou de novo. Alguém computou mais de 100 ligações pedindo a música. Phillips repetiu a canção seis vezes consecutivas.
Um ano depois, durante um show em Jacksonville, na Flórida, surgiu outro elemento da biografia de Elvis: a histeria das fãs. Elas criaram confusão tentando ficar com um suvenir do cantor. No caso, um pedaço de sua roupa.
Para usar uma expressão hoje célebre do jornalista americano John Rockwell, do New York Times, Elvis era o sujeito que os pais abominavam, as garotas adoravam e os rapazes copiavam imediatamente.
No limite, Elvis não criou nada. Pode-se atribuir a gênese do rock and roll a Chuck Berry, Little Richards (ambos negros) e até a Bill Halley, ele mesmo um branquelo gorducho com fortes raízes no country. Os historiadores afirmam que a primeira gravação, Rocket 88 (1951), é de Jackie Brenston e Ike Turner, que eram negros. A expressão rock and roll popularizou-se no mesmo ano, no programa do DJ branco Alan Freed.
Mas coube a Elvis personificar o rock and roll para os brancos – e, correndo o risco de soar cínico, mas reproduzindo o que pensavam os executivos em um país pré-direitos civis, era onde o dinheiro estava.
Era um sujeito bonito, sexy, um branco com voz de negro como queria Sam Phillips. Tinha também aquele je ne sais quoi que faz um verdadeiro astro pop: um jeitão esquisito que misturava a cabeleira e as roupas extravagantes. Seu comportamento – inclusive isso de adotar hábitos dos negros – estava fora do padrão carola dos americanos dos anos 1950. “Para que comprar uma vaca se posso tomar o leite atravessando a cerca”, disse uma vez, ao responder se pretendia se casar.
Para Adam Victor, em The Elvis Encyclopedia, a ruptura foi no cerne da indústria do showbiz. “Antes de Elvis, a música era um negócio de adultos feito para adultos. Depois dele, a música passou a ser feita e consumida por jovens.” Além de popularizar uma música de negros para plateias brancas, levou o sexo aos palcos com seu rebolado e ganhou o apelido The Pelvis – antes dele, até os maluquinhos eram contidos diante de um microfone. Foi o cara certo, no lugar certo, cantando a coisa certa. “Em 1956, quando Elvis estourava em cada rádio do país, a noção dos jovens americanos sobre independência dos pais, da religião, dos valores de seu tempo – foram moldadas”, escreveu o jornalista Larry Rohter no Washington Post.
“Elvis foi um pioneiro, a primeira grande voz do rock, no mínimo a maior delas, e foi também o primeiro homem capaz de elevar o rebolado a uma forma de arte. Não era necessário ser compositor: Elvis era o rock”, escreveu o jornalista e músico brasileiro Cadão Volpato. “Ele zerava o que viera antes e apontava o caminho para o que viria depois. Elvis foi o marco zero, a pedra fundamental.”
Fonte: Aventura na História