Desde que as aulas presenciais foram suspensas por causa da pandemia de Covid-19, uma das estratégias adotadas por algumas escolas foi oferecer aulas on-line. O problema desta forma de ensino é que ela acaba sendo excludente. Isso porque, no Brasil, 46 milhões de pessoas (o equivalente a 25% da população) não tem acesso à internet, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Nos estados da região Norte, 13,8% da população não conta sequer com sinal de internet nas cidades onde moram. Um percentual que está bem acima da média nacional, que é de 4,5% de brasileiros em localidades sem sinal de internet.
Também faz parte dos dados do IBGE outra realidade que, dessa vez, chama a atenção para o contraste entre a população das áreas urbanas com a que mora nas zonas rurais. Nas comunidades rurais, o número de pessoas sem acesso à internet é doze vezes maior que nas cidades.
Diante de um cenário como esse fica difícil falar de aulas remotas. Mas como garantir que crianças e adolescentes continuem aprendendo mesmo sem poder ir à escola?
No caso da professora Ana Paula Lima da Silva, a cada 15 dias ela percorre 40 quilômetros até a zona rural para levar livros e cadernos de atividades para 14 crianças com idades entre 8 e 10 anos, que são seus alunos no 4° ano do Ensino Fundamental.
SÃO MIGUEL
Ana Paula mora em São Miguel do Guamá, mas dá aula em uma escola na comunidade de São João de Panelas – que pertence ao município de Bonito, nordeste paraense. Acorda cedo, por volta de 6h, para cumprir a jornada.
O caminho de casa até São João de Panelas não é fácil. O vilarejo não tem sinal de internet. Além disso, nem todas as operadoras de telefonia funcionam por lá. Impossível pensar em aulas remotas dessa forma. A estrada é de piçarra e nesta época do ano a poeira toma conta do horizonte. Em determinados pontos, precisa andar devagar com os pés equilibrando a motocicleta para não deslizar e ela sofrer um acidente.
A primeira parada da professora é na escola Municipal Dom Elizeu Maria Corolli, onde trabalha. Lá ela atende algumas crianças e mães de alunos que moram perto da unidade e podem buscar o caderno de atividades na própria sala de aula. Tudo organizado de forma que não haja aglomeração. Entra uma mãe ou aluno por vez.
“No início a gente pensava que a suspensão das aulas ia ser por 15 dias, mas o cenário da pandemia se agravou e percebi que as aulas presenciais não seriam retomadas tão cedo. Então eu fui na casa de cada um dos alunos ver como estava a situação”, contou a professora.
A visita nas residências das crianças serviu para que Ana Paula pedisse a parceria dos pais para que os filhos não deixassem de estudar. Foi então que ela se comprometeu a levar um caderno de atividades para a garotada e assim tem feito desde abril. “Todas as atividades são pensadas no nível de dificuldade de cada criança. Se elas têm dificuldade em português eu passo textos menores. Se a dificuldade for matemática eu passo contas mais simples”, comentou, sobre o caderno de atividades.
Questionada sobre o uso de computadores ou celulares no ensino a distância, Ana Paula destaca que chegou a gravar com o celular alguns vídeos explicando o conteúdo e compartilhou, por Bluetooth, com as mães. “São pessoas que não têm acesso à internet. Aqui nem sinal pega”, reforçou.
ATIVIDADES
A professora disse que vai continuar levando os cadernos de atividades para a escola e na casa dos alunos enquanto a pandemia durar. “Faço isso com alegria. Eu acredito muito nessas crianças. Tenho certeza que delas teremos grandes profissionais no futuro, pessoas transformando a realidade que vivem hoje”.
Depois que termina de atender as mães e alunos que moram perto da escola, ela passeia pela sala de aula vazia. Arruma o espaço no qual chama de “cantinho da leitura” e mostra um calendário na parede. “Perceba que ainda está indicando o mês de março, que foi quando as aulas presenciais foram suspensas”, apontou.
Ela confere os cadernos de atividades que não foram entregues e vê que três ainda estão na bolsa. É hora de ir até a casa de quem não foi buscar. No geral quem não pôde ir pegar os exercícios foram as crianças que moram num raio de 2 a 4 quilômetros da escola. No caminho da casa deles, Ana Paula encontra a mãe de uma das alunas lavando roupas na beira de um igarapé num ramal. Ali mesmo ela conversa com a mulher que diz que a filha teve dificuldade em resolver uma questão no caderno anterior.
Maeli Menezes, 29, é a mulher com quem a professora conversava. Ela tem 3 filhas, uma delas aluna de Ana Paula. “Tem sido complicado esses tempo sem as meninas irem para a escola. Se não fosse pela professora, que passa as atividades, elas estariam sem estudar”, comentou.
“Não tenho conta de internet, nem tenho como pagar. Quando mandam mensagens (WhatsApp) no grupo da escola eu fico por fora porque não tenho (acesso)”, prosseguiu Maeli, ao lembrar que já ouviu sobre aulas on-line mas que não pode oferecer essa ferramenta de estudo para as filhas.
Mais adiante Ana Paula parou em frente a uma casa de alvenaria, sem as paredes rebocadas. Ali mora o pequeno Zaqueu Silva, 10 anos, que aguardava a professora ansioso. E mal ela entregou o livro e o caderno ele correu para o quarto e começou a estudar. Sem mesa para fazer as atividades escolares, deitou sobre a cama e abriu o livro.
“Este é um dos alunos mais dedicados que tenho. Ele gosta muito de escrever, inclusive”, comentou a professora, orgulhosa ao ver que o caderno de atividades que entregou anteriormente estava todo respondido.
“Eu acredito muito na educação da zona rural, apesar de todas as dificuldades. Eu sei que daqui sairão grandes talentos e quando vejo crianças como o Zaqueu eu confirmo que estou no caminho certo”, finalizou a professora Ana Paula. A jornada dela durou mais de 6 horas desde a saída de sua casa, em São Miguel do Guamá, até a escola e as casas dos alunos.