O discurso exato do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) está em fase de ajustes finais pelo Itamaraty, mas o tema central é o que agitou o governo nas últimas semanas: a Amazônia. A defesa da soberania brasileira na região amazônica será o cerne do pronunciamento do chefe do Executivo federal, que abre, oficialmente, a cerimônia, no dia 24. Alfinetadas ao presidente da França, Emmanuel Macron, que sugeriu a internacionalização da área, estarão nas entrelinhas. No Palácio do Planalto, dizem que a ideia é evitar um desconforto diplomático, ou seja, não tecer críticas nominais a quem quer que seja. Isso inclui a alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet.
A resposta a Macron e a outros chefes de Estado a quem, em algum momento, Bolsonaro deu declarações controversas — e, por vezes, atravessadas —, será feita mediante explicações sobre o que o Brasil tem feito para controlar os incêndios na Amazônia. Sustentará ainda que as queimadas não são tão graves, além de outras medidas relacionadas à fiscalização e ao combate ao desmatamento ilegal. A reação a Bachelet, com quem travou embates recentemente, será feita por meio da citação de queda de homicídios no Brasil em cerca de 20% no primeiro semestre.
Além de medidas para proteger a soberania, Bolsonaro reforçará ainda uma visão de proximidade do Brasil com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), destaca o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). “O presidente certamente terá um grande destaque na defesa a essas matérias, com uma visão altiva e independente em relação à ONU”, sustenta.
O presidente defenderá ainda a democracia e as instituições, tema com que ele deve alfinetar o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e procurar desmistificar a imagem de um governo autoritário e não democrático que algumas nações possam ter. Nessa toada, ele reforçará os feitos que o governo, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm feito pelo país, como a aprovação da reforma da Previdência. O aceno tem por objetivo mostrar os esforços brasileiros para a retomada econômica, em sinalização à busca por investimentos estrangeiros.
O aceno em busca dos recursos estrangeiros será feito na dose certa, mas é certo que a ideia ufanista de defesa à soberania brasileira na Amazônia estará no centro das atenções. E Bolsonaro fará isso com um viés protecionista, mas mais simbólico do que comercial. Em entrevista ao Correio, publicada ontem, o presidente em exercício, Hamilton Mourão, deu o tom do que pode esperar do discurso. “Eu acho que o recado número um (será de que) a Amazônia é nossa. Isso aí, não podemos admitir, em hipótese alguma, essa questão de soberania limitada ou uma ingerência além daquilo que os tratados internacionais, ao qual o Brasil subscreve, prevê. Então essa é uma. O segundo recado: ela é nossa e compete a nós protegê-la e preservá-la. Acho que são as duas mensagens que ele (Bolsonaro) tem que integrar”, destaca.
Riscos
A ênfase à Amazônia é destacada pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, Augusto Heleno. Para ele, é positivo que o mundo esteja observando o Brasil no momento do discurso. “As informações sobre a Amazônia, na maioria do mundo, são tão precárias, são tão ingênuas, são tão desprovidas de conteúdo, que é ótimo que se voltem para o Brasil, que voltem os olhos para o que é a Amazônia e o que representa a Amazônia para o Brasil. Primeira coisa tem que deixar muito claro que não tem esse negócio de que a Amazônia é o patrimônio da humanidade”, comentou, em entrevista à Rede Vida.
O Itamaraty monitora o risco de boicote ao discurso de Bolsonaro, mas não demonstra preocupação. Ao Correio, comunicou que os movimentos serão ignorados. Internamente, no entanto, o Ministério das Relações Exteriores está dividido. O gabinete do chanceler, Ernesto Araújo, acompanha de forma mais pragmática as ameaças. Núcleos não tão próximos, entretanto, veem com preocupação a possibilidade de boicote a produtos brasileiros por parte de consumidores e empresas internacionais, como retaliações à importação de couro brasileiro.
Os boicotes não devem trazer tanto impacto prático, mas mostrarão uma mudança mais radical à imagem multilateralista que o Brasil transmitia até 2018, pondera o analista político Ricardo Mendes, sócio-diretor da Prospectiva. “Não acredito em uma repercussão muito grande, mas, de qualquer forma, devemos ver alguma mobilização. Será um discurso relativamente curto, onde tentará ressaltar coisas sendo feitas e a agenda positiva e aberta a negócios”, pondera.
O cientista político Lucas Fernandes, analista político da BMJ Consultores, concorda com a previsão. “O risco não é tão elevado. França, Irlanda e Luxemburgo devem se retirar, mas não acho que será um movimento acompanhado por delegações de outras grandes lideranças mundiais. Não será algo visto em grandes proporções”, avalia.
Fonte: Correio Braziliense