Felipe Demier
Convém lembrar ainda, talvez, que as políticas sociais de Lula (que, apesar de apresentar um estilo e retórica bonapartistas, não foi, certamente, um presidente bonapartista) e de Dilma Rousseff não encerraram, de modo algum, um caráter universalizante, dado que não estiveram voltadas para o conjunto do tecido social, e não se exprimiram juridicamente na forma de “direitos”. Neste aspecto, a política social lulista-petista se diferiu tanto da política social-democrata europeia do welfare state, quanto da política de massas varguista no Brasil que, embora excluísse de sua alçada os trabalhadores rurais, materializou-se em “direitos sociais” válidos permanentemente para todos os cidadãos urbanos, além de uma significativa expansão pública e universal dos sistemas de saúde e de educação básica.
Obviamente, as diferenças substantivas entre as políticas sociais focalizadas e compensatórias, como o “Bolsa-Família”, e a política de massas do reformismo varguista devem-se menos aos distintos perfis políticos de governantes como Lula e Getúlio do que aos diferentes momentos históricos em que estes hábeis e loquazes líderes nacionais se situaram.
Enquanto o populismo bonapartista de Vargas, brotado numa etapa de significativa margem de manobra da periferia capitalista perante o centro, teve por tarefa conduzir a urbanização, a industrialização e a modernização social retardatárias do país, incorporando as amplas massas populares urbanas à esfera estatal (cidadania social), o lulismo não foi senão uma variante timorata da social-democracia latino-americana em tempos de hegemonia do capital financeiro internacional, de contrarreformas do Estado, de sacralização da democracia-liberal e de crise estrutural de um capitalismo monopolista e neoliberal que avança celeremente rumo à barbárie social.
Por fim, não deixa de ser sugestivo o fato de que o atual candidato a Bonaparte tupiniquim Jair Bolsonaro, buscando ampliar sua margem de manobra em face da burguesia – e chocando-se com seus representantes políticos tradicionais que lhe cobram mais celeridade nas contrarreformas e uma intensificação da austeridade ultraneoliberal – tenha, em meio à pandemia, buscado valer-se também do vulgar assistencialismo junto às cada vez mais vulgarizadas massas populares.
Assim, embora sórdido, não chega a ser surpreendente que a sua popularidade entre elas tenha aumentado ao passo em que também aumenta a pilha de corpos vitimados pela Covid. Comprovando a força da ideologia enquanto categoria presente e explicativa do real, muitos dos que hoje cultuam o “mito” encontram-se justamente entre os setores sociais que mais entregam corpos para a pilha cadavérica…
Fonte: Esquerda Oline