Vivemos em um País democrático. Geralmente estamos convencidos de que este é o melhor dos sistemas de governo, ainda que esteja longe de ser isento de críticas, muitas delas severas. No entanto, cada vez mais se tem a incômoda sensação de que nem todos nutrem apreço pelo sistema democrático. O fato é que a democracia tem enfrentado crise após crise em muitas partes do mundo, e faremos bem mantendo em mente que, apesar dos problemas deste sistema político, ele segue infinitamente superior a qualquer arranjo ditatorial já tentado ou imaginado.
A respeito da perda de prestígio das democracias, podemos tentar apontar várias causas para isso estar acontecendo. Por hora, comento algumas mais superficiais. Em alguns países, a polarização política tem se intensificado, levando a uma erosão das normas democráticas e a um aumento da retórica autoritária. Ao mesmo tempo, tem havido um declínio na confiança nas instituições democráticas e uma crescente desigualdade econômica, social e política. Isso tem criado um ambiente propício para o surgimento de movimentos populistas que ameaçam a integridade dos processos eleitorais e dos direitos humanos. Além disso, a disseminação de notícias falsas e a manipulação das redes sociais têm minado a confiança na mídia tradicional e nas instituições de informação.
É perfeitamente possível que nosso vizinho da esquerda ou da direita sempre tenha nutrido sonhos autoritários, mas está cada vez mais comum – e até mesmo “normal” – que as pessoas se sintam seguras em expressar tais desejos ou mesmo promoverem ideologias autoritárias; isso quando não se sentem seguras o bastante para tentar impô-las de alguma forma.
O mais preocupante neste tema é notar que também a máquina do Estado tem, às vezes, sido posta para funcionar em prol de tais insanidades. E se até uma democracia madura, como a norte americana, viu seu próprio coração ser atacado no episódio no Capitólio, um ato promovido sob a virtual orquestração de um presidente democraticamente eleito, tanto mais risco parece existir em uma democracia nova como ainda é a nossa aqui no Brasil.
Há altos e baixos nessa história. Semana passada foi noticiado que, após quatro anos, os militares estariam mais uma vez impedidos de comemorarem o aniversário do Golpe de 64. Evidentemente, não cabe num Estado Democrático de Direito, haver instituições do Estado que se prestem a esse tipo de coisa. Talvez nossos vizinhos da esquerda ou da direita se sintam no direito de fazê-lo, mas não o Estado. Vale lembrar, a título de registro e informação, que o Presidente Fernando Henrique Cardoso já havia colocado fim, nos quartéis, à Ordem do Dia a respeito da celebração do referido golpe. Nada mais lógico e necessário, considerando que de acordo com a Constituição, as Forças Armadas estão plenamente submetidas ao poder civil, não o contrário, como parecem sonhar alguns saudosistas de um maravilhoso passado que nunca existiu.
O flerte com o autoritarismo, e com as ditaduras – ainda que “amigas” – jamais deveria ser tolerada. Sem prejuízo de eventuais esforços diplomáticos, a postura de um estado democrático deve ser sempre clara. O problema é que alguns de nossos vizinhos, estejam a nossa direita ou a nossa esquerda, só falam em democracia quando lhes é conveniente. Que o diga o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, que tendo sido um guerrilheiro que lutou contra a ditadura de Somoza, supostamente em nome da democracia, é hoje um governante brutal e assassino. E não nos deve nos surpreender que, aqui no Brasil, aqueles que agora voltar a proibir as comemorações oficiais referentes ao Golpe de 64, e que ganharam as eleições majoritárias com o discurso da defesa da democracia, sigam apoiando, direta ou indiretamente, seus amigos sanguinários pelo mundo. Não nos deixemos enganar: não se trata de mera contradição, e sim, de um espírito ditatorial guardado no armário, sempre pronto para escapar.
E agora? Quem poderá nos defender? Os vizinhos da direita? Que Deus nos proteja! Os vizinhos da esquerda? Que nos valham todos os santos, vivou ou mortos! Recordemos a famosa frase atribuída à John Philpot Curran: “ao preço da liberdade é a eterna vigilância”.
Rev. Marcelo Lemos
@revmarcelolemos
Bacharel em Teologia, jornalista, escritor e conferencista. O autor é diretor do Instituto Bereano e do Instituto Bíblico do Reino Unido no Brasil.