Nos últimos anos, o Brasil vivenciou uma explosão no uso de tecnologias de pagamento digital, especialmente com a consolidação do PIX. Embora tenha ampliado a inclusão financeira e tornado as transações mais acessíveis, esse avanço também abriu espaço para um aumento expressivo de fraudes bancárias digitais. Os golpes por WhatsApp, cliques em links falsos, engenharia social e simulação de identidades são prêticas cada vez mais comuns.
Diante desse cenário, o ordenamento jurídico brasileiro tem reafirmado a responsabilidade objetiva das instituições financeiras com base no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e na Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual:
“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.“
1. A natureza da responsabilidade e o conceito de fortuito interno
A responsabilidade objetiva, prevista no CDC, impõe o dever de indenizar independentemente da existência de culpa, bastando a comprovação do dano, da conduta e do nexo de causalidade. No contexto bancário, o chamado fortuito interno corresponde aos riscos inerentes à atividade econômica prestada pela instituição financeira, inclusive os decorrentes da atuação de terceiros mal-intencionados.
Assim, fraudes digitais decorrentes de falhas no sistema de segurança bancário, vazamento de dados ou manipulação psicológica de clientes via engenharia social estão dentro do escopo de responsabilidade das instituições financeiras.
2. Modalidades de fraude mais recorrentes
Golpes por WhatsApp e aplicativos de mensagem: os golpistas clonam números ou se passam por familiares e amigos para solicitar transferências via PIX ou TED.
Phishing e links falsos: campanhas de e-mail ou SMS com promoções falsas ou cobranças inexistentes, induzindo o consumidor a informar dados bancários.
Engenharia social: o fraudador obtém dados pessoais com o objetivo de manipular a vítima, criando um ambiente de urgência ou autoridade para que ela realize transferências.
Falsas centrais de atendimento: criminosos ligam se passando por funcionários de bancos, induzindo a desinstalação de aplicativos, instalação de programas espiões ou envio de códigos de autenticação.
3. Jurisprudência recente e tendências
O STJ e diversos Tribunais de Justiça têm reiteradamente decidido pela responsabilidade dos bancos em casos de fraudes eletrônicas, sobretudo quando é demonstrada a vulnerabilidade da vítima ou a falha do sistema de segurança:
REsp 1.634.851/SP: O STJ reafirmou que é objetiva a responsabilidade do banco por prejuízo decorrente de fraude eletrônica.
TJSP, Apelação Cível 100XXXX-28.2022.8.26.0100: Banco foi condenado a restituir valores transferidos via PIX após golpe por WhatsApp, reconhecendo a responsabilidade mesmo com alegação de culpa exclusiva da vítima.
TJMG, Apelação Cível 1.0000.22.123456-7/001: O Tribunal reafirmou que, mesmo em fraudes com senha ou token, a falha na prestação do serviço implica responsabilidade do banco.
4. Medidas preventivas e o dever de informação
É crescente a cobrança para que bancos adotem medidas efetivas de segurança da informação, como:
Sistemas de detecção de comportamento suspeito;
Autenticação em dois fatores e limitação de transferências em horários noturnos;
Notificação prévia de operações atípicas;
Orientação e educação digital ao consumidor.
O dever de informação (arts. 6º, III, e 14 do CDC) é essencial, e sua violação também enseja responsabilização. O banco que não esclarece adequadamente os riscos digitais ou induz o consumidor a operar sistemas complexos sem orientação adequada responde pelos danos causados.
5. Considerações finais
A responsabilidade das instituições financeiras diante das fraudes bancárias digitais é uma realidade consolidada pelo ordenamento jurídico brasileiro, com base no CDC e na jurisprudência atual. O princípio da vulnerabilidade do consumidor, aliado ao risco do empreendimento, impõe às instituições financeiras o dever de garantir segurança, informação adequada e mecanismos de prevenção.
É papel da advocacia especializada atuar tanto na defesa dos direitos individuais dos consumidores vitimados quanto na pressão institucional por medidas regulatórias mais eficazes. Diante do avanço tecnológico constante, a proteção contra fraudes digitais deve ser compreendida como uma dimensão essencial da boa-fé objetiva nas relações bancárias modernas.
Advogada Dra. Ângela Soares, especialista em Direito Bancário e superendividamento, é presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB/Ananindeua. https://www.instagram.com/adv.angela_soares/
Excelente doutora, informações muito importantes
Parabéns Doutora, assunto muito pertinente
Excelente conteúdo Dra.