Colaboração para o UOL 19/06/2020 04h02 Nesta madrugada, o “Conversa com Bial” reuniu três infectologistas para falar sobre os ataques motivados por posicionamentos políticos radicais contra os profissionais de saúde. Os médicos relataram que têm sofrido ameaças de pacientes por não receitarem cloroquina para tratar a Covid-19. O Dr. João Assy, que está na linha de frente em Santarém, oeste do Pará, detalhou as ameaças que sua equipe têm recebido: “Os médicos têm sofrido pressão dos pacientes dizendo que vão processá-los, como se houvesse uma obrigação legal de um médico prescrever um remédio que ele não vê evidências científicas o suficiente para fazer a prescrição”.
Em resposta, os profissionais se posicionaram por meio de uma carta aberta assinada pelo ministro interino da Saúde. No entanto, o comunicado, baseado no protocolo do Ministério, desencadeou uma briga com outros médicos de diferentes áreas que acreditam na eficácia do tratamento com cloroquina
“Com a nossa carta, alguns médicos sentiram que, de alguma forma, nós estávamos interferindo no trabalho deles e reagiram de uma forma muito ruim”, lamentou o infectologista.
“Esses médicos emitiram uma outra carta, inclusive com assinatura do prefeito da cidade, achando que havia motivação política da nossa parte, como se estivéssemos no dia a dia ali, trabalhando de domingo a domingo, vendo pessoas morrendo, e não queríamos prescrever um medicamento apenas porque queremos derrubar o presidente. Isso carece de qualquer lógica racional”, se indignou o Dr. João.
Insistência na cloroquina
Nesta semana, o Ministério da Saúde estendeu a recomendação da cloroquina para tratar gestantes e crianças com Covid-19. Dois ministros da Saúde já deixaram o governo por, entre outros motivos, se opor ao uso amplo da droga. Enquanto isso, os Estados Unidos retiraram a autorização de emergência de tratamento com cloroquina e hidroxicloroquina.
Dr. Mauro Schechter, infectologista cuja autoridade é reconhecida em todo o mundo, demonstrou insatisfação com a persistência do governo em não seguir a ciência.
“Medicina não se faz por tuítes, palpites, rumores ou discursos presidenciais. O que nós vivemos foram três ou quatro meses de tuítes, palpites, rumores e discursos presidenciais”, exclamou Dr. Mauro, e continuou: “Os países que se deram melhores na pandemia até o momento foram aqueles que tiveram uma liderança que respeitou a ciência”.
Ataques incentivados
Durante uma transmissão ao vivo realizada na semana passada pelo Facebook, o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), incentivou seus seguidores a entrar em hospitais para filmar os leitos de UTI e mostrar se eles estão realmente ocupados, colocando, mais uma vez, a população contra os profissionais de saúde.
Segundo o Dr. Mauro, essa situação é algo inominável: “É difícil crer que isso é verdadeiro. É inominável e me faltam palavras para descrever esse desrespeito aos profissionais de saúde, às pessoas que estão doentes e aos familiares dessas pessoas. É tudo tão absurdo que ultrapassa qualquer ficção científica de péssima qualidade”.
Na conversa, Dr. Clóvis Arns da Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, disse: “Uma pequena porcentagem da população vê o profissional de saúde e pensa que ele pode transmitir a Covid-19 só por estar vestido de branco, ou por frequentar o mesmo ambiente de trabalho ou ambiente social. Eu acredito que, quando conseguirmos informar melhor a população, essa minoria voltará a aplaudir os profissionais de saúde”.
Dr. Clóvis ainda relatou que chegou a sofrer um ataque virtual, tendo a conta do Facebook hackeada. Usando o perfil do próprio doutor, o impostor insultou seus familiares através da rede social. “Isso aconteceu simplesmente porque no dia anterior eu tinha feito um comentário dizendo para que as pessoas evitassem aglomerações e usassem máscaras em eventos públicos”.
Para o Dr. João, a maior agressão é o Brasil ter entrado por último na pandemia, com tempo de avaliar as diversas experiências que foram feitas em outros países, e mesmo tendo um sistema único de Saúde no mundo, está contando milhares de pacientes infectados e que, infelizmente, estão falecendo por abandono à ciência, ou por conta de política e negacionismo dos outros.
“Até quando vamos insistir nesse caminho e quantas pessoas ainda vão morrer até que a gente tome o rumo correto?”, questionou o doutor.