Violência política de gênero e os limites (inexistentes) da vida privada
Na política brasileira, o corpo da mulher nunca é só um corpo. É campo de vigilância, objeto de julgamento e instrumento de punição quando ultrapassa os limites impostos pelo conservadorismo de gênero. Mulher que ocupa espaço de poder precisa, além de tudo, caber em moldes muito estreitos — de comportamento, de estética, de presença.
Um exemplo recente disso é o caso da prefeita de Marituba. Ela compartilhou, em sua rede pessoal, um vídeo de biquíni durante um momento de lazer. Algo absolutamente comum, dentro da esfera privada. Mas o que era uma simples postagem virou alvo de ataques públicos carregados de misoginia, machismo e violência política de gênero. O que estava em julgamento não era sua atuação como gestora — mas sua imagem, seu corpo, seu direito de existir com liberdade.
Essa lógica é velha conhecida. Um homem de sunga é visto como alguém que está “curtindo a vida”; uma mulher de biquíni vira alvo de insinuações sobre sua “falta de respeito” ou “falta de decoro”. A sexualização do corpo feminino na política é uma ferramenta de desqualificação. Para muitos, mulher no poder só serve se for rígida, recatada e invisível. Se for vaidosa ou segura de si, vira pecado capital.
Falo com vivência. Em um momento da minha trajetória política, me posicionando com firmeza sobre um tema relevante, o “contra-ataque” veio assim: “Essa aí é a vereadora que vivia fazendo lipo e ainda continua feia.” Curioso, não? Além de política, me tornei personagem de ficção estética. O mais engraçado? Nunca fiz nenhum procedimento estético. Nem lipo, nem botox, nem harmonização. Lamento informar, mas o que tenho aqui é cortesia Divina mesmo — e, pelo visto, andou incomodando.
A violência política de gênero se esconde nesses detalhes: quando comentam nosso corpo, nossas roupas, nossas redes sociais campo de patrulha, não estão preocupados com ética nem com trabalho. Estão tentando nos diminuir, nos calar, nos empurrar de volta pra um lugar onde mulher “não incomoda”. Enquanto isso, homens públicos seguem ilesos, blindados pela tolerância social que jamais se aplica a nós.
No fundo, o problema nunca foi o corpo, nem o biquíni. Foi a coragem. A coragem de ser mulher, ocupar espaços historicamente ocupados por homens e não pedir desculpa por existir. A ousadia de liderar, de decidir, de ser voz ativa sem abaixar a cabeça.
Mas nós vamos seguir. Com coragem, com voz, com ideias, com corpo, com sorriso — e, sim, com biquíni.