Foi num 15 de agosto de 1823 que o Pará assinou oficialmente sua adesão à Independência do Brasil. Pouco mais de duas centenas de anos se passaram desde aquele gesto carregado de formalidade e tensão, registrado com pompa no Palácio Lauro Sodré. Um documento, 107 assinaturas e a ordem simbólica: fim da hegemonia portuguesa sobre a Província do Grão-Pará. Mas havia um detalhe incômodo: o Pará não aderia por entusiasmo patriótico — e sim por pressão.
Naquela altura, a vida política paraense estava nas mãos de comerciantes prósperos, generais influentes, religiosos e figuras de origem lusitana que temiam perder seus benefícios. Belém possuía conexões mais diretas com Lisboa do que com o Rio de Janeiro. O comércio fluía pelas velas portuguesas, a Igreja respondia ao Patriarcado de Lisboa, e o próprio status da cidade rivalizava com o da região do Porto. Por que então romper com a metrópole que garantia prestígio e lucro?
Foi aí que entrou John Grenfell, emissário britânico a serviço de Dom Pedro I. Chegou trazendo a notícia de uma frota ancorada em Salinas, pronta para bloquear o porto da capital caso a adesão não fosse assinada. Era blefe. Mas funcionou. Com medo de isolamento e represália militar, as autoridades paraenses assinaram o termo e declararam fidelidade ao novo Império.
Entretanto, a adesão em nada melhorou a vida da maioria da população. Povos indígenas, escravizados e pobres continuaram excluídos das decisões políticas. O sentimento era de que apenas trocava-se Lisboa pelo Rio, sem mudança real. Poucos meses depois, em Belém, soldados locais se revoltaram. Foram 256 paraenses presos no porão do navio São José Diligente — o infame Brigue Palhaço — e ali mortos por asfixia e violência. Um episódio que deixou marcas profundas e abriu caminho para o espírito rebelde que mais tarde explodiria na Cabanagem.
A historiadora Bárbara Silva aponta que aquele 15 de agosto marcou também o início de uma longa busca por identidade. “Foi um primeiro passo para uma consciência de pertencimento ao Pará e, só depois, ao Brasil”, explica. Ser brasileiro, para muitos, era aderir ao novo imperador. Para outros, era simplesmente ter nascido aqui e resistir aos velhos e novos colonizadores. Enquanto a elite se equilibrava entre interesses, a população pobre percebia que poderia — e deveria — lutar por mudanças mais profundas, nem que isso custasse sangue.
Pouco mais de duzentos anos depois, o Pará ainda celebra sua adesão. Mas talvez o sentido maior desta data esteja menos no decreto de 1823 e mais no que veio depois: nas revoltas, na resistência, na construção de uma identidade paraense cheia de dores e orgulho. Celebrar o 15 de agosto é lembrar que pertencer não é apenas assinar documentos. É lutar para existir, ser ouvido e ter o direito de sonhar com um país que também seja nosso.