A Lei nº 14.181/2021, conhecida como a “Lei do Superendividamento”, completou três anos em julho de 2024. Trata-se de um marco no Direito do Consumidor brasileiro, com reflexos diretos no Direito Bancário, ao buscar um reequilíbrio contratual nas relações de consumo de crédito, especialmente no contexto do superendividamento.
Com base na inserção dos artigos 54-A a 54-G no Código de Defesa do Consumidor (CDC), a nova legislação passou a reconhecer, expressamente, a figura do consumidor superendividado, definindo-o como aquele impossibilitado de arcar com o conjunto de suas dívidas de consumo sem comprometer o mínimo existencial.
1. A finalidade da Lei e seus beneficiários
A Lei Nº 14.181/2021 tem como finalidade promover a prevenção e o tratamento do superendividamento de pessoas físicas de boa-fé. Ela não se aplica a dívidas de natureza fiscal, alimentar ou decorrentes de contratos com garantias reais, ou de luxo, restringindo-se às dívidas de consumo. Assim, beneficiários comuns são aposentados, assalariados, pequenos empreendedores e principalmente SERVIDORES PÚBLICOS que, por motivações diversas (inclusive institucionais, como oferta abusiva de crédito), perderam o controle de seu orçamento familiar.
2. O procedimento de repactuação das dívidas
Um dos principais avanços da nova legislação é o chamado processo de repactuação de dívidas por meio de um plano de pagamento judicial ou extrajudicial.
O consumidor superendividado pode requerer a instauração de um processo de repactuação junto ao Judiciário, listando todos os seus credores e demonstrando sua incapacidade financeira para quitar os débitos sem prejudicar sua subsistência.
Nessa audiência, será proposto um plano de pagamento que poderá incluir descontos, prazos mais longos, suspensão de cobranças e outras medidas, sempre sob a ótica do princípio da boa-fé objetiva e da função social do contrato. A adesão dos credores é facultativa, mas a recusa injustificada pode ensejar interpretação judicial contrária ao credor.
3. A atuação dos bancos e instituições financeiras
O setor bancário é diretamente impactado pela Lei, pois é o principal fornecedor de crédito aos consumidores. Após três anos, verifica-se que a jurisprudência começa a consolidar entendimentos relevantes:
A prática de ofertar crédito de forma insistente e sem análise da capacidade financeira do consumidor pode ser considerada abusiva;
A falta de transparência na informação dos encargos do contrato, como juros compostos e tarifas, é cada vez mais combatida judicialmente;
O Judiciário tem admitido a revisão de contratos e a suspensão de cobranças em casos comprovados de comprometimento do mínimo existencial.
4. Dificuldades e perspectivas
Apesar de avanços significativos, a aplicação prática da Lei ainda encontra entraves. Poucos tribunais possuem setores especializados para lidar com pedidos de superendividamento. Além disso, muitos consumidores sequer conhecem o mecanismo, o que exige maior atuação institucional da Defensoria Pública e dos Procons.
Na prática, observa-se que servidores públicos e aposentados continuam sendo as principais vítimas de crédito consignado excessivo, com margem de desconto ultrapassando os 40%, mesmo após as atualizações da Lei. É urgente a fiscalização da oferta de crédito e a efetiva punição das instituições que violam as regras do CDC.
5. Considerações finais
O trênio de vigência da Lei nº 14.181/2021 revela um importante avanço na proteção do consumidor superendividado, mas também aponta para a necessidade de consolidar sua aplicação de forma mais abrangente.
É papel da advocacia especializada, sobretudo no Direito Bancário, atuar tanto na orientação dos consumidores quanto na provocação do Judiciário para o reconhecimento efetivo dos direitos previstos em lei.
Trata-se de uma ferramenta importante não apenas para a justiça social, mas também para o reequilíbrio econômico do mercado de consumo de crédito no Brasil.