Mesmo para quem o frequenta todos os dias, o Ver-o-Peso, que hoje completa seus 392 anos, é sempre um espetáculo para todos os sentidos. E, por isso, inspiração e cenário que constantemente acaba indo para dentro do trabalho de vários artistas, especialmente os paraenses. Para eles, essa relação começa na infância e é difícil não a tomar como uma referência em algum momento de suas carreiras. É o caso, por exemplo, de Dona Onete, que acabou criando um verdadeiro hino para o mercado, a música “No Meio do Pitiú”.
“Quando eu era criança, o Ver-o-Peso era a minha vida, de tirar fruta do paneiro para comer… Tucumã, camapu, essas coisas que vinham muito do interior. E depois (adulta), para comprar comida. Antigamente não tinha supermercado, a carne era no Mercado de Carne e o peixe no Mercado de Peixe. Depois começaram a surgir as feirinhas nos bairros e foram chegando os supermercados. Hoje em dia, as pessoas estão voltando mais ao Ver-o-Peso, depois da ‘garça namoradeira’ e do ‘malandro urubu’”, brinca Dona Onete.
Como ela, muitos artistas já citaram o mercado em suas composições. Músicas também bastante conhecidas como “Belém-Pará-Brasil”, da banda Mosaico de Ravena, que já começa anunciando um destino apocalíptico para o mercado: “Vão destruir o Ver-o-Peso/Pra construir um shopping center”.
Com frequência ainda maior, os videoclipes de várias músicas já foram gravados ali. Desde a citada canção de Dona Onete, passando também por Joelma com “Se Vira Aí”, em parceria com o sertanejo Zé Felipe, o rapper Bruno B.O. com “Sua Revolução”, e a banda Delinquentes, em uma versão punk para “Pescador”, carimbó de Mestre Lucindo.
“O Ver-o-Peso é fascinante, todos os nossos conhecidos de fora do estado, inclusive os roqueiros querem conhecer, e isso é bem anterior mesmo começar a aparecer em novelas”, comenta Jayme Katarro, vocalista dos Delinquentes.
Com um disco a ser lançado no próximo mês, sua banda ainda entra para o grupo de artistas com músicas que citam o Ver-o-Peso com “Belhell”. Ele diz que, seja nas músicas ou outras linguagens, acha importante também que se apresente o maior complexo de feira livre da América Latina sob uma ótica realista. “É importante que se mostre também o estado em que ele se encontra, que visivelmente precisa de maiores cuidados do poder público. Acho incrível as pessoas que mostram nas fotos, por exemplo, os urubus, as carniças, o lixo, porque é preciso que as pessoas vejam esse outro lado do cartão postal. Nossa última sessão de fotos (da banda) foi lá, mas justamente com esse critério, de mostrar a realidade e não se tornar mais um ensaio fotográfico clichê”, destaca Jayme Katarro.
A feira que está na foto, cinema, teatro
Jaime Katarro acaba citando outra linguagem sempre muito bem alimentada pelo movimentado mercado: a fotografia. Não é difícil supor que não existe um fotógrafo de Belém ou que tenha passado pela cidade sem ter em seu portfólio algum registro da feira. Seus personagens, seus produtos de visual colorido, suas construções centenárias, o lugar é um verdadeiro paraíso para esses artistas. Entre tantos, Luiz Braga, que chegou a publicar o fotolivro “Crônica Fotográfica do Universo Mágico no Mercado Ver-o-Peso” e declarou que para ele o Mercado é um verdadeiro museu. “Um museu vivo de sabedoria, cheio de cores, sabores, cheiros, pregões, cantorias”. Só no livro estão reunidas 98 fotos desse agitado cotidiano da feira.
O ambiente está ainda presente em espetáculos teatrais, o mais famoso deles, sem dúvida, “Verde Ver-o-Peso”, do Grupo Experiência; em revistas em quadrinhos, como a premiada “Castanha-do-Pará”, de Gidalti Moura Jr.; em longas e curtas-metragens, como “Nirvana”, de Roger Elarrat, e “Ribeirinhos do Asfalto”, de Jorane Castro.
Em cada obra artística é registrado o cotidiano da feira. Mas, no caso de uma artista em especial, a cantora Gina Lobrista, não apenas seu trabalho, ela própria tornou-se parte desse cotidiano. Ela conta que depois de muito procurar onde divulgar seu trabalho, chegou ao Ver-o-Peso e nunca mais partiu.
“No início não foi fácil, até me expulsaram, mas hoje em dia todo mundo gosta de mim. Eles me tratam como se eu fosse da família. Eu canto um pouco em bar, converso, canto um pouco em outro. Eles me oferecem almoço. Tenho grande amor pela Tia Coló e, nas boieiras, pela Dona Osvaldina”, diz Gina Lobrista. “Eu me apaixonei pelo Ver-o-Peso porque vim de garimpo e era como se fosse um garimpo, onde passa todo tipo de gente, de toda cor, de toda crença, e eu disse: ‘é aqui que vou ficar’”, diz a artista, sobre o lugar onde hoje também compõem suas músicas e que fez questão de registrar em seu primeiro EP autoral.
Espetáculo histórico será encenado na feira
No dia do seu aniversário, a maior feira livre da América Latina também receberá um presente especial. O grupo teatral Experiência encena ao ar livre, na Praça do Pescador, o espetáculo “Verde Ver o Peso”, marco do teatro paraense inspirado nas cenas e personagens no próprio ponto turístico e que mantém um recorde: está há 38 anos em cartaz, sempre se renovando nas cenas mostradas ao público. Será a primeira vez, no entanto, que ele será mostrado ao lado do lugar que inspirou toda essa criação. A iniciativa para festejar a data veio da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi). “Pensamos com muito carinho em oportunizar aos trabalhadores do nosso Ver-o-Peso e do centro comercial a experiência de se verem representados como fonte de inspiração para esses artistas maravilhosos do Grupo Experiência. É um sonho realizado e esperamos que muitos sorrisos se espalhem”, diz a secretária de Estado de Cultura, Úrsula Vidal. Com direção de Geraldo Salles, a peça destaca a movimentação e o cotidiano dos feirantes e ambulantes do mercado com muito humor e crítica social, misturando comédia, teatro de revista e sátira acerca dos costumes populares do Pará. Desde a estreia em 1982, Geraldo Sales conta que está sempre adaptando o roteiro à realidade. “Quando idealizamos esse projeto, os atores passaram por uma imersão na feira para a construção dos personagens, dando maior veracidade ao que a gente mostra em cena. Hoje, temos a chance de retornar e apresentar pela primeira vez o espetáculo aos que nos inspiraram: os trabalhadores do Ver-o Peso”, destaca o diretor. Fonte: DOL |