Por Natália Pesciotta | Mais de 50 anos depois do golpe militar que retirou a democracia e direitos humanos no Brasil, ainda há muito desconhecimento sobre este período da História. Centenas de comentários em uma publicação da UBES no Facebook, no dia 31 de março, mostraram como a população brasileira ainda caminha para superar de fato este triste capítulo. Explicamos aqui alguns dos erros mais comuns ao se falar sobre o regime militar que durou de 1964 a 1985.
1. Só foi torturado quem era terrorista
“Quem era trabalhador não teve problema”
Segundo relatório da Comissão da Verdade, entre as centenas de pessoas mortas estavam estudantes que protestavam contra alimentos caros, padres que conheciam esquerdistas e até militares que discordavam das torturas.
Para ser censurado, perseguido, torturado e morto pela repressão do regime militar, bastava contestar o governo, independente da linha ideológica. Na verdade, bastava o governo pensar que a pessoa contestava, mesmo sem provas. Ou pensar que a pessoa conhecia alguém que contestasse.
É como se ninguém pudesse criticar o governo Dilma quando ela estava na presidência, por exemplo. E nem mesmo conversar com quem criticasse. Se você acha bacana lutar pelo seu país dizendo o que pensa nas ruas, saiba: naquela época não podia.
2. Não tinha corrupção
“Pelo menos os militares tinham ética”
Quem disse foi o próprio general Estevão Taurino de Rezende, o militar responsável pela Comissão Gerais de Investigações (CGI): “O problema do comunismo perde expressão diante do problema da corrupção administrativa”.
Entre 1964 e 1986 havia corrupção, o que não tinha eram conselhos fiscalizatórios fora do controle dos militares nem acompanhamento do Congresso, até porque o Congresso foi dissolvido em 1968. Era tudo acobertado.
Alguns casos que poderiam ter virado “escândalos”, se a política e o jornalismo fossem permitidos: Caso Halles, Caso BUC, Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla, Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin, Caso TAA.
Os gastos estratosféricos em “obras faraônicas”, como a hidrelétrica de Itaipu e a rodovia Transamazônica, nunca foram investigados.
Leia mais sobre isso: no livro Ditadura Envergonhada, de Elio Gaspari (2002)
3. A educação pública era melhor
Pelo contrário. O governo militar reduziu drasticamente os investimentos em Educação e liberou a venda de ensino por instituições privadas. Foi a partir daí que o ensino público perdeu qualidade e a classe média passou a pagar pelo serviço em escolas particulares.
A Emenda Constitucional número 1 desobrigou o Estado a gastar um mínimo de 12% com a área. O percentual caiu de 7,6%, em 1970, para 4,31% em 1975 e ficou em 5% em 1978.
Essa emenda de 1969 também incentivou o ensino pago: “O ensino é livre à iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive mediante bolsas de estudos”.
Isso tudo sem entrar no mérito da qualidade do ensino. Os conteúdos que ensinam pensamento crítico, como sociologia e filosofia, foram trocados por matérias institucionais, como Educação Moral e Cívica. O método de alfabetização do Paulo Freire, que estava tendo aplicação ampliada, foi trocado pelo Mobral, que falhou no objetivo de erradicar o anafalbetismo até 1984. Além disso, bilhões de reais foram gastos no projeto.
4. As ruas eram mais seguras
“Cidadão de bem podia andar tranquilo”
Podia-se andar tranquilo desde que se fosse branco, rico e estivesse em bairros nobres. A Polícia Militar, criada neste período, passou a ficar livre para punir pobres trabalhadores sem provas. Sem falar nos grupos de extermínio, que atuavam com liberdade para torturar e matar qualquer um que considerassem suspeitos.
A prática de “segurança” da época cometeu alguns crimes contra a humanidade como recolher menores abandonados em um ônibus e despejá-los nus no meio da estrada de madrugada.
Leia mais sobre o Esquadrão da Morte, que ganhou expressão e liberdade durante a ditadura
Depende para quem. Com o “milagre econômico”, o PIB brasileiro chegou a crescer 10% por ano. Mas essa realidade não bateu na porta dos trabalhadores.
No auge do crescimento, em 1974, um salário mínimo tinha menos poder de compra do que em 1960.