“A esquerda precisa de óculos novos. E deixar Marx de lado.” Entrevista com Aldo Schiavone

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“A esquerda precisa de óculos novos. E deixar Marx de lado.” Entrevista com Aldo Schiavone
Foto: Reprodução

O historiador italiano Aldo Schiavone acaba de publicada o livro “Sinistra! Un manifesto” [Esquerda! Um manifesto].

Schiavone foi diretor do Instituto Gramsci e professor das universidades italianas de NápolesBariPisa e Florença. Atualmente, é coordenador de um projeto de pesquisa europeu ligado à Universidade de Roma La Sapienza”.

A entrevista foi concedida a Concetto Vecchio, publicada em La Repubblica, 19-02-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Sinistra! Un manifesto, de Aldo Schiavone | Foto: divulgação

Eis a entrevista.

Por que escreveu o livro “Sinistra!”?

Estou desconcertado com a pobreza do debate interno ao Partido Democrático. Tudo se reduz a táticas, a problemas de posicionamento: campo amplo, vocação majoritária, relacionamento com o M5S [Movimento Cinco Estrelas] aliança com Calenda e Renzi. E ouvimos frases que não significam nada.

Tipo?

Voltar para o meio do povo, por exemplo. O que isso significa?

O Partido Democrático ainda pode se salvar?

É uma dúvida legítima pensar que já é tarde demais, mas o fogo deve ser feito com a lenha que se tem. Se ainda trazemos no coração o destino da esquerda, só podemos recomeçar a partir do Partido Democrático.

Muitos na esquerda votam no M5S.

Isso me convence ainda menos. O M5S é completamente desprovido de uma base cultural e põe em campo apenas um “taticismo” ainda mais míope.

Por que a esquerda italiana não produz mais sonhos?

Ela foi esmagada pela realidade como ela é. Não vê mais nada, exceto o fantasma do socialismo, nunca evocado diretamente, mas sempre presente nos pensamentos subterrâneos.

E isso não está certo?

Não, porque essa leitura do mundo não se sustenta mais. Os pressupostos nos quais se fundamentavam terminaram.

Então o drama é duplo?

Exatamente isso.

Marx deve ser deixado de lado?

Marx é um gigante do nosso passado. Mas é preciso óculos novos. Marx seria o primeiro a nos ensinar isso.

No livro, você defende que a esquerda deve viver fora do conflito de classes. O que quer dizer?

Que a luta de classes não existe mais, que não é uma lei geral da história, mas o resultado de uma condição totalmente particular, que só se realizou algumas vezes no caminho da modernidade. A revolução tecnológica que estamos vivendo varreu todos os seus pressupostos. Isso imporia um grande esforço crítico à esquerda.

Onde ela errou?

Partido Democrático não soube mais ler a sociedade: e em particular o chamado mundo do trabalho.

O que é o Partido Democrático? Um partido radical de 20%?

Não, acho que outra coisa ainda. Persiste no seu DNA a aspiração a ser um partido de massas. Mas ele deve fazer um esforço cultural, de pensamento. Sem pensamento, não há ação vencedora.

A partir de onde começaria?

Da crítica às estruturas das desigualdades que atravessam a sociedade italiana.

A verdadeira questão não é a social?

Você já ouviu um líder do Partido Democrático falar sobre os entregadores? Falar com conhecimento de causa sobre os novos trabalhos? Sobre como é difícil organizar politicamente a subjetividade deles, já que certamente não são o coração do sistema produtivo. A dificuldade também nasce a partir disso.

No Partido Democrata, fala-se sobretudo do Partido Democrata.

Há muita autorreferencialidade.

Os Macaluso e os Di Vittorio estavam no meio dos últimos, com uma visão. Por que isso não acontece mais?

Era um mundo dividido em classes. E havia a perspectiva do socialismo, que motivava. Hoje, tudo é muito mais complicado.

O que falta é um pensamento novo, mais radical, mas também adaptado aos tempos?

Sim, há um vazio enorme. E sem pensamento não há esperança.

As seções eleitorais estão vazias.

No entanto, os partidos ainda são necessários, mesmo que por um certo período eu tenha pensado o contrário. Eu estava errado.

Para que eles servem, exatamente?

Eles são necessários para formar e determinar o consenso popular. E o Partido Democrático, apesar dos seus mil defeitos, e da prevalência das correntes, é o único que tenta manter um contato com a base.

O “Irmãos da Itália” não é um partido?

Muito pessoal, eu diria. Construído em torno de Giorgia Meloni.

Compartilha os elogios feitos por Letta e Bonaccini?

Sim, ela é uma líder totalmente respeitável.

A direita também é forte porque sabe o que é?

Sim e não. A firmeza da líder se transmite ao corpo do partido. Mas falta a cultura para dizer algo ao país.

Em que sentido?

Por um lado, ela planta bandeiras identitárias, por outro exerce uma politique d’abord, dando respostas com base nas emergências.

A direita também ganha porque oferece proteção?

Sim, mas a exerce seletivamente: os balneários, os autônomos. Não vejo uma proteção do país.

Como nasceu o livro?

A partir de um debate na editora Einaudi, com o diretor Ernesto Franco e o presidente Walter Barberis. Foi pouco antes do Natal.

Não foi tentado pela política?

Em 1985, como diretor do Instituto Gramsci, eu escrevi Per il nuovo Pci [Pelo novo Partido Comunista Italiano] no qual afirmava que Marx não explicava mais a realidade. Não me perdoaram.

Depois, voltou com Veltroni como secretário.

Sim, na secretaria. Mas, quando Bersani chegou, fomos todos mandados de volta para casa. Lecionei na universidade, em Florença. Estou aposentado.

Vai votar nas eleições primárias?

Sim, mas ainda não sei em quem.

Como não sabe?

Talvez eu anule o voto. Entre Stefano Bonaccini Elly Schlein, além dos dados biográficos diferentes, não vejo diferenças políticas.

 

Fonte: Instituto Humanitas