Não é tarefa fácil falar a respeito de ecumenismo. Experimentar a vivência ecumênica é mais difícil ainda. Mas pode valer a pena: recordo-me de que nas comemorações dos 500 anos da Reforma Protestante (2017) tive a oportunidade de assistir ao “Culto da Reforma“, um evento realizado pelas duas denominações luteranas presentes em Belo Horizonte (IELB, IECLB), e que teve lugar na Paróquia de São Sebastião, cujo reitor é o Padre José Cândido.
No final do evento todos os religiosos presentes saíram numa procissão, e para a surpresa de todos, fecharam o dia com um lindo abraço ecumênico, sob centenas de aplausos. Católicos romanos, anglicanos, metodistas, luteranos, evangélicos…Um gesto bonito, ainda sim dolorido.
Ecumenismo
O ecumenismo dói, talvez porque exija de nós dar aos outros aquilo que imaginamos ser nosso por direito. Dói por nos forçar admitir que a nossa parte da família não é a última bolacha do pacote, enquanto nos mostra que a casa do outro não é tão ruim quanto a gente pensa, ou gostaria que fosse.
Dói porque cada um de nós é cristão, e se vê no direito ter esse reconhecimento. Mas o outro, o diferente, o estranho, ele também se julga cristão. Sim, aquele que pertence a uma tradição mais antiga que a nossa, ou a uma que nasceu ontem e ainda engatinha na História da Igreja, também ele pretende ser parte da nossa família.
Nas palavras do Concílio Vaticano II, “são numerosas as Comunhões cristãs que se apresentam aos homens como a verdadeira herança de Jesus Cristo. Todos, na realidade, se professam discípulos do Senhor, mas têm pareceres diversos e caminham por rumos diferentes, como se o próprio Cristo estivesse dividido” (Unitatis Redintegratio).
Fé e dor são elementos necessários para o diálogo ecumênico. É pela fé que nos
apegamos ao Cristo que promete edificar sua Igreja, contra a qual, Ele diz, “as portas do inferno não prevalecerão”. Se nem mesmo o Inferno pode destruir a Igreja, como achar que nosso pecado o faria? Pois, não é o pecado a causa primeira de termos dividido o Corpo de Cristo? Sim, o pecado dos outros, que denunciamos, e o nosso próprio pecado, que inadvertidamente varremos para debaixo do tapete, ou sob algum arquétipo Junguiano.
Reconhecer Cristo no outro, no diferente? Confessar nossa própria parcela de culpa? Somente pela fé, todavia, não sem dor. Aquele “Culto da Reforma” na Paróquia São Sebastião parece ilustrar esse estranho dualismo de sentimentos. Pelo fato de ser dolorido que as centenas de cristãos ali reunidos não pudessem, depois de 500 anos, partilhar do mesmo Pão e do mesmo Vinho. Todos confessando o mesmo Cristo, orando a mesma Oração do Senhor, e recitando o mesmo Credo, porém impedidos por suas consciências de partilharem do mesmo Banquete Eucarístico. Todavia, pela fé, aqueles que hoje estão separados, professam juntos a fé dos Pais na “santa Igreja católica”. É dor, no entanto, não uma dor desprovida de fé, mesmo que embalada num escatológico “já, mas ainda não”.
Eloy Bueno de la Fuente
A este respeito Eloy Bueno de la Fuente, escreve que “a unidade é fundamentalmente uma realidade escatológica que corresponde a Deus. Da perspectiva da verdade plena de Deus é preciso afirmar que todas as partes envolvidas deveriam reconhecer conjuntamente os erros cometidos e a influência excessiva de fatores contingentes. Todos precisam se converter e se perdoar mutuamente. Por conta que, todos têm caído em incompreensões anacrônicas e hereditárias, na inércia dos comportamentos, na indiferença diante dos outros, no provincianismo que fecha as próprias fronteiras, na tutela estatal ou nos interesses políticos…” (Eclesiologia, pg. 125).
O que não significa cruzarmos os braços a espera da ‘apocatástasi’ (ou restauração) final da antiga e imponente Igreja indivisa. Como protestante, adoraria me felicitar por nosso pioneirismo ecumênico, a começar pelo exemplo de Martin Bucer e seus esforços em conduzir Lutero e Zwínglio à uma teologia comum da Eucaristia, dentre outras iniciativas suas. Mais recentemente, pelo pontapé inicial do moderno ecumenismo dado pelo Congresso Mundial de Missões, celebrado em Edimburgo em 1910, cujo objetivo foi unir forças no trabalho missionário, dando-lhe mais eficácia e credibilidade. Ou pelo nascimento, em 1927, da Assembleia de Lausane.
Todos estes, exemplos de fé maculados aqui e ali por orgulho, presunção e intolerância dos homens. De outro modo, parece profético que quando um ministro episcopal de nome P.Watson deu início, em 1908, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, iniciou um trabalho que seria encabeçado e aperfeiçoado por católicos romanos. Fé, dor e esperança.
Com essas três palavras somos desafiados a construir a unidade da fé.
Por Marcelo Lemos
Para Pesquisas:
- Reforma Protestantes: http://monergismo.com/categoria/outras-categorias/historia-da-igreja/a-reforma/
- O que é Eucarístia?: https://www.rs21.com.br/site/jesusestanomeiodenos/eucaristia/
- O que foi o Concílio Vaticano II?: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-o-concilio-vaticano-ii/
- Você sabe a diferença entre ecumenismo e diálogo inter-religioso?: https://www.cidadenova.org.br/editorial/inspira/3701-voce_sabe_a_diferenca_entre_ecumenismo_e