Uma análise histórica sobre a subordinação da propriedade privada ao Terceiro Reich e o pragmatismo econômico voltado ao rearmamento.
A questão sobre se Adolf Hitler era anticapitalista é um dos temas que mais gera debates em discussões históricas e políticas. Para responder de forma precisa, é necessário separar a retórica de propaganda da prática governamental do Terceiro Reich.
A tese histórica predominante, sustentada por especialistas como Ian Kershaw e Richard J. Evans, é que Hitler não era anticapitalista no sentido tradicional, mas sim um defensor da propriedade privada subordinada ao controle absoluto do Estado para fins militares e raciais.
1. A Retórica vs. A Prática
O nome do partido (Nacional-Socialista) foi uma escolha estratégica para atrair a classe trabalhadora alemã, que na década de 1920 estava dividida entre o comunismo e o socialismo. No entanto, Hitler redefiniu o termo “socialismo” para significar a união racial da nação (Volksgemeinschaft), e não a abolição da propriedade privada ou a luta de classes.
A Eliminação da Ala Esquerda
Em 1934, durante a Noite das Facas Longas, Hitler ordenou o assassinato de líderes da “ala esquerda” do Partido Nazista, como Gregor Strasser e Ernst Röhm. Eles defendiam uma “Segunda Revolução” que incluía a nacionalização de grandes indústrias e a redistribuição de terras — ideias que Hitler rejeitava para não perder o apoio das elites financeiras e dos industriais.
2. Privatização e Apoio Industrial
Curiosamente, o termo “privatização” foi cunhado na década de 1930 para descrever a política econômica nazista. Enquanto o resto do mundo ocidental lidava com a Grande Depressão aumentando o controle estatal (como o New Deal nos EUA), o governo nazista vendeu participações estatais em ferrovias, bancos e siderúrgicas para o setor privado.
Hitler acreditava que a competição capitalista era uma forma de “seleção natural” que permitia que os mais fortes e eficientes liderassem a economia. Grandes empresas como I.G. Farben, Krupp e Thyssen prosperaram sob o regime, desde que produzissem o que o Estado exigia para o rearmamento.
3. O Ódio ao “Capitalismo Financeiro”
A confusão sobre o “anticapitalismo” de Hitler vem de seus ataques ao que ele chamava de “capitalismo internacional e financeiro”. Para ele, isso era uma “ferramenta judaica” para escravizar as nações através de juros. Em contraste, ele exaltava o “capitalismo produtivo” (industrial), que via como essencial para a força da nação. Portanto, seu ataque não era ao sistema de capital em si, mas a uma visão conspiratória de quem o controlava.
Fontes Principais
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Tooze, Adam. The Wages of Destruction: The Making and Breaking of the Nazi Economy. (Obra fundamental sobre a economia do Terceiro Reich).
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Kershaw, Ian. Hitler: A Biography. (Analisa a ideologia e o pragmatismo do ditador).
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Evans, Richard J. The Third Reich in Power. (Detalha a relação entre o Estado e os industriais).
Pontos Principais para Entender a Posição de Hitler:
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Defesa da Propriedade Privada: Ao contrário dos socialistas e comunistas, Hitler manteve e protegeu o direito à propriedade privada, desde que os proprietários servissem aos objetivos do Estado.
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Repressão aos Sindicatos: Logo que assumiu o poder, Hitler dissolveu todos os sindicatos e proibiu greves, favorecendo o controle dos donos de fábricas sobre os trabalhadores através da Frente Alemã do Trabalho (DAF).
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Pragmatismo Econômico: Ele via a economia apenas como um meio para um fim (a guerra e a expansão racial). Se o capitalismo funcionasse para o rearmamento, ele seria usado.
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Antissemitismo no Discurso Econômico: Sua retórica “anticapitalista” era quase sempre um código para o antissemitismo, focando no setor bancário e financeiro que ele associava aos judeus.
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Dirigismo Estatal: Embora o sistema fosse capitalista, o Estado intervia pesadamente na definição de preços, salários e matérias-primas para garantir que a economia estivesse pronta para a guerra.