Em 21 de março de 1990, Lech Walesa, um dos fundadores do sindicato Solidariedade (Solidarnosc em polonês), ex-presidente da Polônia, de 1991 a 1995) concedeu entrevista para o jornalista J.A. Dias Lopes, da Revista Veja, na ocasião falou de comunismo, capitalismo, Mikhail Gorbachev, Papa João Paulo II, do futuro da nação polonesa e outros assuntos.
Abaixo alguns trechos da entrevista
João Paulo II também desempenhou um papel importante na derrocada do comunismo?
É evidente que sim. Ms é difícil especificar o que ele fez. Respondo a essa pergunta com uma alegoria: será que estaríamos aqui sem que nossos avós e pais tivessem existido? É claro que não. João Paulo II foi mais ou menos isso nas mudanças que estão ocorrendo no Leste Europeu e, principalmente, na Polônia.
E Mikhail Gorbachev? Também ajudou?
Essa é uma coisa que eu gostaria de deixar para o julgamento da história. Considero Gorbachev um exímio malabarista, um homem que sabe se impor nas circunstâncias mais adversas. Nada o intimida. Ele enfrenta e resolve as situações. Mas, sem querer tirar o mérito de Gorbachev, temos de levar em conta o fato de ele ser produto de uma época determinada.
O senhor está querendo dizer que, individualmente, Gorbachev não têm todos aqueles méritos que lhe atribuímos no Ocidente, como mentor da perestroika e da Glasnost?
Não é bem assim. Gorbachev também tem grandes méritos individuais. É preciso levar em conta, porém, que ele não viveria um dia, uma hora, um minuto, na época de Stalin. Ele é um fenômeno da nossa época. No mundo de hoje, nenhum país consegue permanecer isolado. As notícias, boas ou más, acabam sempre chegando ao conhecimento de todos. Vivemos na era dos computadores, dos satélites, das antenas parabólicas, do vídeocassete. Stalin também foi um homem de uma época. No seu tempo, era possível bloquear as transmissões de rádio. Hoje, não.
Há alguma possibilidade de o comunismo voltar?
Na Polônia, pelo menos, isso é impensável no momento. Teremos períodos de luta, de embates com aquela minoria que, apesar de tudo, ainda defende o regime anterior ou as suas vantagens. Estou consciente de que as coisas não vão mudar tão rapidamente, na Polônia, como a gente imaginava. Mas, para mim, o comunismo não volta mais.
Qual o lado do capitalismo que o senhor viu e não gostou?
O Capitalismo deveria se preocupar um pouco maus com o homem como ser social, apesar de já ter feito muitos progressos nesse terreno. O ideal do desempenho da economia, do aumento da produção, do nível de emprego, dos salários, da eficiência e da competitividade não é tudo na vida. A economia deve ser colocada a serviço do homem. Mas isso ainda seria capitalismo?
Quem garante que a Polônia de seus filhos será melhor que a do seu tempo?
Procuro transmitir a meus filhos a ideia de que eles também terão de lutar para conseguir as coisas. Mas não estou completamente certo de que a Polônia deles será muito melhor do que a minha. Tudo indica que sim. Mas quem tem essa certeza? Quem garante que o botijão de gás não está vazando?.