De salto alto, Alexandre Dias chuta o ar. O stiletto faz uma parábola no ar. “Isso aqui faz um estrago”, ri ele.
A demonstração faz parte de uma aula de “autodefesa e autopreservação” ministrada por Dias no sábado (15) em Brasília.
No chão de grama, bandeiras do arco-íris eram estendidas à guisa de cangas para abrigar os 20 alunos do grupo, a maioria homens e todos gays, lésbicas ou bissexuais. Na caixinha de som, “I Don’t Feel Like Dancing”, da banda Scissor Sisters.
A iniciativa surgiu em um dos grupos de “segurança LGBT+” criados no WhatsApp no dia 8 de outubro, um dia após a confirmação da ida de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) para o segundo turno das eleições.
“A criação foi uma demanda por causa dessa onda de violência que começou a ser sentida na semana antes do primeiro turno e na imediatamente depois”, afirma Julio Cardia, 34, um dos administradores dos grupos.
Pouco mais de uma semana depois, já são seis grupos de 250 pessoas cada que trocam dicas de segurança, denúncias de violência e convocações para mobilizações contra o candidato do PSL.
“É uma boa ferramenta porque possibilita a gente ajudar outra pessoa, ou saber que não dá para ir em algum lugar porque podemos sofrer preconceito lá”, diz o gerente de vendas Hugo Sanroman, 30.
Cardia diz não acreditar que esteja havendo pânico na comunidade LGBT com a perspectiva de eleição de Jair Bolsonaro. Em declarações, o candidato já criticou gays e disse que seria “incapaz de amar um filho homossexual”.
“A gente não avalia isso como pânico, como casos isolados. A violência é uma realidade da nossa população e isso se acentuou com o processo eleitoral. A gente percebeu a que já era demais, mas agora passou do limite”, afirma.
Sanroman concorda. Segundo ele, não se pode colocar “toda a culpa em Bolsonaro”. “Mas ele falou muitas besteiras e aí o pessoal se sentiu mais à vontade para expressar o seu ódio”, afirma.
Em um dos grupos, um usuário indica locais para aulas de Krav Maga, aula de defesa pessoal israelense. Em outra, alerta-se sobre o risco de utilizar aplicativos de paquera no celular, como o Grindr, voltado para o público gay: não publicar fotos do rosto e só sair com amigos de amigos, além de sempre marcar encontros em locais públicos estão entre as dicas.
Numa terceira, um membro pergunta onde conseguir spray de pimenta. Grupos paralelos, focados em mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais também foram criados.
“Todo mundo se conhece [na comunidade LGBT]. O que a gente está fazendo agora é se unir e dar encaminhamento para quem às vezes não sabia para onde ir num caso de violência”, diz Cardia.
Segundo Dias, que é bissexual, policial militar e membro da Renosp (Rede Nacional de Operadores da Segurança Pública LGBTI), com a eleição a sensação de segurança de gays e outras denominações têm diminuído. “Esse discurso violento da polarização está infelizmente sendo reproduzido na prática”, diz.
Durante a aula de sábado, a primeira do grupo, o militar se dedicou a explicar “boas práticas de segurança”. Entre elas, como agir se estiver sendo seguido a pé ou de carro, comportamento suspeito e o que pode ser caracterizado como legítima defesa.
Um dos alunos é o assistente social D.G., que não quis se identificar. Ele diz à Folha de S.Paulo que sempre teve preocupação com a segurança, mas que ela aumentou durante o processo eleitoral. “Além da preocupação normal que todo brasileiro tem com segurança, a gente tem uma a mais, mais gratuita. E agora se tornou muito mais urgente”, diz.
Dias também sugeriu ao grupo que tente procurar sempre outra pessoa LGBT no espaço para se sentir mais seguro. “Dá pinta mesmo!”, brinca. “A gente se sente mais seguro sabendo que tem outra pessoa LGBT no lugar, a gente se protege.”
E alertou para o risco de uso de ferramentas como spray de pimenta ou taser (arma que dá choques) por pessoas sem experiência. “Se você não souber usar, pode ser pior”, explicou aos alunos.
A ideia, disse depois à Folha, não é que as aulas substituam a busca por canais oficiais de denúncias como a polícia. “Mas eu não posso dizer para as pessoas que elas não devem buscar formas de se sentirem seguras se tiver alguma violência contra elas. Porque a polícia não vai estar lá o tempo todo”, diz.
“A gente também precisa ampliar o entendimento do que é autodefesa. Ela pode ser verbal, não precisa ser física. A comunicação pode ser uma ferramenta de autodefesa muito forte.” Com informações da Folhapress.
Fonte: Brasil ao Minuto