Marcio Pitliuk: Como Hitler conseguiu espaço na Alemanha? Usando Fake News

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Marcio Pitliuk: Como Hitler conseguiu espaço na Alemanha? Usando Fake News
Marcio Pitliuk é um dos maiores especialistas em Holocausto do Brasil (Foto: Luiz Rampazzo/Divulgação)

O escritor Marcio Pitliuk, um dos maiores especialistas no Brasil sobre o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial em entrevista para o site Correio descreveu o processo de ação de Hitler e os crimes cometidos, principalmente contra judeus.

Abaixo trechos da entrevista com Marcio Pitliuk

Na Alemanha, eles foram deixando o partido nazista crescer. Quando acordaram, o partido nazista tinha dominado a Alemanha”, diz ele, que é representante no Brasil do Yad Vashem, o maior museu do Holocausto no mundo, sediado em Jerusalém. Curador do Memorial da Imigração Judaica e do Holocausto, de São Paulo, Pitliuk é autor de livros como “O homem que venceu Hitler”, (Editora Vestígio).

Em entrevista ao CORREIO, ele falou sobre a história do nazismo na Alemanha e o crescimento de grupos neonazistas no Brasil. Infelizmente, muitos brasileiros sequer entendem o que foi o nazismo e quais as consequências dessa ideologia para a humanidade.

Poderia explicar um pouco do que foi esse momento tão terrível da história?

Quando a Alemanha perdeu a Primeira Guerra Mundial, o país entrou numa crise muito grande, tanto moral quanto financeira, porque tiveram que pagar uma grande indenização de guerra. Isso piorou em 1929 com o crack da bolsa de Nova York, quando o mundo inteiro entrou em depressão e a situação da Alemanha piorou ainda mais.

Marcio Pitliuk e traços da biografia de Hitler

Adolf Hitler era um pintor frustrado austríaco. Tentou ser artista plástico, tentou duas vezes entrar na Escola de Belas Artes de Viena e não conseguiu. Ele tinha lutado na Primeira Guerra Mundial e resolveu ir para a Alemanha tentar a vida. Lá, decidiu tentar ser político. Ele não tinha formação e entrou num pequeno partido que se chamava, na época, Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores. Ele entrou num pequeno partido porque era esperto, sabia que entrando num partido grande não tinha chance. Entrou no partido nazista e, como todo político malandro, começou a subir dentro do partido e a crescer dentro da Alemanha.

Como ele (Hitler) conseguiu espaço na Alemanha? Marcio Pitliuk aponta para as Fake News

Como todo político mau-caráter: usando fake news. Hoje em dia a gente fala tanto, mas isso é muito antigo. Qual era a fake news de Hitler? Ele começou a dizer que os alemães eram um povo superior, que os arianos eram superiores aos outros povos e, portanto, mereciam conquistar outros países. A outra (fake news) era que os judeus eram culpados por todos os problemas da Alemanha: a Alemanha tinha perdido a guerra devido aos judeus, apesar dos judeus alemães terem lutado na Primeira Guerra, que a crise financeira era culpa dos judeus e também não era. Em cima dessas mentiras, ele conseguiu conquistar o povo alemão. Ele foi crescendo, foi crescendo, ganhou as eleições e foi eleito. O partido nazista teve maioria no parlamento e, com isso, assumiu o poder na Alemanha. (Hitler) Virou chanceler e a primeira coisa que o partido nazista fez ao chegar ao poder foi acabar com a democracia. Acabou com todos os outros partidos.

Partido nazista e o poder

Outro fato bastante importante é que, quando o partido nazista chegou ao poder, o mais importante passou a ser o partido e não a Alemanha. Tanto que a bandeira alemã desapareceu e só ficou a bandeira nazista. Durante esse período todo, a gente não vê a bandeira da Alemanha, só a bandeira nazista.

Ele colocou em prática que iria conquistar os territórios do Leste porque eram terras férteis e a Alemanha precisava de espaço para crescer. O Leste era a Polônia, Hungria, Países Bálticos até a Rússia. Também começou a atacar o Oeste, França. Dinamarca, Noruega. Ele queria conquistar o mundo inteiro, o norte da África porque lá tinha petróleo. Essa foi a expansão imperialista nazista.

Em paralelo a isso, como ele já vinha falando, que os judeus eram o mal do mundo. Ele dizia que os judeus eram uma praga, um verme a ser exterminado. Só que até a invasão da Polônia, em 1939, quando ele falava em eliminar os judeus da sociedade alemã, ele estava pensando numa eliminação não física. Quando ele chegou ao poder em 1933, começou a publicar algumas leis antissemitas, como proibir judeus de ter conta em banco, proibir médicos judeus de trabalhar, proibir advogados e professores judeus de trabalhar. Começou a caçar os direitos civis.
Marcio Pitliuk descreve o tratamento dispensado aos judeus

 Os judeus da Alemanha, que já estavam lá há 600 anos, perderam seus direitos civis, só que as maluquices foram muito maiores. Os judeus não podiam andar na calçada, tinham que andar na rua. Quando passasse ao lado de um militar alemão, tinham que tirar o chapéu. Não podiam mais sentar em bancos, em praças públicas, não podiam andar de bonde, ir aos parques e piscinas públicas. Ainda confiscou o dinheiro dos judeus. Sem dinheiro, judeus não conseguiam ir embora da Alemanha e os países do mundo não queriam receber os judeus. Eles tentaram Estados Unidos, Inglaterra, Brasil e não conseguiam, como hoje tantos refugiados tentam fugir e não conseguem visto.

Invasão do Leste

Quando invadem o Leste Europeu, nessa época, na Alemanha, havia 600 mil judeus. Era 0,8% da população, não era nada. Quando invadem a Polônia, a coisa complica porque lá havia três milhões de judeus e eles eram 10% da população. Quando vão em direção a Hungria, Ucrânia, toda essa região tinha mais alguns milhões de judeus. Aí a eliminação dos judeus passa a ser física. Não adianta caçar a cidadania, não adianta proibir de trabalhar. Os nazistas também eram burros. Eles faziam as coisas sem pensar nas consequências. Todo ditador é burro, em qualquer país.   O que os nazistas fizeram? Começaram a pensar: como a gente vai eliminar os judeus? ‘Tem que matar, porque na Alemanha não deu certo o que a gente fez’. Conforme chegavam numa cidade no Leste Europeu, juntavam os judeus numa praça, levavam aos bosques e fuzilavam um por um. Matavam primeiro os homens, para não ter reação, depois mulheres e crianças. Isso durou dez meses e mataram 700 mil pessoas.

Exército se movimentando

Mas eram dois exércitos se movimentando, um para conquistar cidades, outro para matar judeus. O raciocínio nazista era que estavam gastando muita munição. Com o tempo, os próprios alemães, que concordaram com a ideia de Hitler e apoiaram o antissemitismo dele, foram mudando. Quando a gente fala ‘vamos exterminar um grupo de pessoas’, é uma teoria, quando ele está na frente de uma mulher e de uma criança e tem que dar um tiro para matar, é diferente da teoria. Eram soldados de 18 a 20 anos, no meio de uma gritaria, mulheres chorando, crianças gritando. Era uma coisa horrorosa, cérebros espirrando sangue. Esses soldados começaram a ficar psicologicamente afetados.

Os comandantes davam cada vez mais doses de vodca para eles e começaram a dar licenças para eles voltarem para casa. Isso começou a criar um problema sério e os nazistas pensavam: ‘se em 10 meses só matamos 700 mil, como vamos matar 11 milhões na Europa?’. Os problemas foram surgindo e eles foram procurando soluções. Descobriram uma maneira mais eficiente de matar que não incomodasse tanto os carrascos. A primeira experiência com gás foi com um caminhão. Ligavam o motor, vinha aquela fumaceira tóxica, colocavam o escapamento para dentro do baú do caminhão e enchiam de judeus. Isso levava duas, três horas, gastava óleo diesel, o motorista do caminhão não aguentava os gritos. Também não deu certo.

Marcio Pitliuk destaca a evolução da máquina de matar alemã: Uma indústria química alemã lembrou que tinha uma fórmula de inseticida muito forte que, se mudasse a fórmula, mataria seres humanos. Os engenheiros químicos dessa fábrica mudaram a forma para seres humanos. Pegaram 600 prisioneiros de guerra russos para servir de cobaia. Engenheiros formados nas melhores universidades de Berlim pegaram 600 prisioneiros para chegar à fórmula correta do gás para matar as pessoas em um tempo curto. Assim, chegaram ao assassinato em 20 minutos. Começaram a construir as câmaras de gás nos campos de extermínio e levavam judeus de trem de toda a Europa para o assassinato. Quando começaram a assassinar em larga escala, surgiu o novo problema que era como descartar os cadáveres.  Então, outros engenheiros tiveram a ideia de fazer os fornos crematórios e a fábrica de morte foi completada. Assim foi organizado todo o Holocausto. Isso não foi feito por soldados. Isso foi feito pela elite alemã que se envolveu: fábricas, indústrias e a rede ferroviária. Toda essa máquina demoníaca que eles fizeram. Por que esse caso do podcast é tão grave? As pessoas hoje em dia são completamente ignorantes quando apoiam o nazismo ou uma teoria dessa, porque não tem o menor conhecimento da loucura que foi. Esse idiota desse youtuber (Monark) não sabe nem o que está falando. Se ele não teve inteligência para perceber que não pode falar uma besteira dessa, tem que pagar pelas consequências.

Se as pessoas se calam, a loucura cresce, como cresceu na Alemanha. As pessoas ouviam Hitler falar essas coisas e diziam ‘vai passar’, até o ponto que passaram a aceitar que ‘nós somos superiores, merecemos conquistar o mundo, judeus são culpados e temos que eliminar os judeus’. E não eliminaram só os judeus, eliminaram mais de 500 mil ciganos, homossexuais, testemunhas de jeová que se recusaram a pegar em armas. Soldados russos – que eles chamavam de ‘eslavos’ – foram levados para campo de trabalho forçado e sofreram mais que prisioneiros ingleses ou franceses, porque consideravam que eslavos eram uma raça inferior. É um sistema completamente perverso, demoníaco. Esses grupos neonazistas que estão crescendo, a maior parte deles seriam mortos pelo nazismo porque estão fora do padrão ariano. Neonazistas brasileiros não durariam 24 horas na Alemanha. Se aparecessem na frente de Hitler, ele mandaria para a câmara de gás na hora. É ignorância total apoiar o nazismo. Esse podcaster, Monark, alegou que defendia a liberdade de expressão. Por que defender o nazismo não pode ser incluído como liberdade de expressão no Brasil?

Marcio Pitliuk conclui: A primeira coisa que o nazista faz é dizer que só existe uma verdade, a minha. Não existe contestação, oposição, não existe discussão. Se ele parte dessa premissa, ele não pode ter sua liberdade porque ele acaba com a liberdade dos outros. É como discutir com terrorista. Vamos discutir o quê com o PCC (Primeiro Comando da Capital)? É um grupo criminoso. O Estado Islâmico é um grupo criminoso, nazistas são um grupo criminoso.

Por que não podemos defender nem ter um partido nazista no Brasil? 

Porque é um partido criminoso. Um partido que prega o extermínio da população que não seja ariana. Ah, então vamos liberar um partido a favor do tráfico de armas, vamos voltar com o partido da escravidão no Brasil.

O texto acima tem como contexto o caso de Bruno Ayub, o Monark, ao defender a existência de um partido nazista brasileiro. Publicado em 12 de fevereiro de 2022, por Thais Borges, no site Correio.