Os obstáculos de Bolsonaro num Congresso fragmentado

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Propostas de acesso a armas de fogo e mudança da Previdência dependem do apoio de centenas de parlamentares. Sem experiência em negociações, presidente eleito quer contornar partidos e falar com bancadas temáticas.

Ao longo da sua carreira parlamentar, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) não se destacou pela participação em complexas negociações políticas ou pela aprovação de projetos notáveis. Na sua campanha eleitoral, ele atacou a velha forma de fazer política no Congresso e saiu vitorioso sem depender de alianças partidárias relevantes.

No comando do Planalto, porém, o ex-capitão será obrigado a negociar com outras forças se quiser aprovar seus projetos, que incluem desde pautas que envolvem a liberalização do acesso a armas de fogo até reformas como a da Previdência.

O PSL conta – ao menos inicialmente – apenas 52 deputados e quatro senadores. Mas algumas das propostas do presidente eleito necessitam de bem mais do que isso. A aprovação da redução da maioridade penal ou a reforma da Previdência, por exemplo, dependem de bem-sucedidas Propostas de Emenda Constitucional (PECs). E para isso é necessário reunir no mínimo o voto de 308 deputados e 49 senadores, ou dois terços do Congresso.

Já a votação do esvaziamento do Estatuto do Desarmamento vai depender de um novo projeto de lei. Nesse caso, a maioria é simples: 257 deputados e 41 senadores. É o mesmo número necessário para executar propostas como a extinção e a fusão de ministérios, que podem ser feitas com uma medida provisória (MP) assinada pelo próprio presidente. A MP vale por 60 dias, prorrogáveis por mais 60, mas ela precisa ser votada pelo Congresso 45 dias após a publicação original ou ao final de uma prorrogação.

Por enquanto, o DEM, que possui 29 deputados e seis senadores, vem se aproximando do novo presidente. Isso deve elevar a base inicial de apoio aos projetos de Bolsonaro, mas ainda mantém o presidente distante do necessário para garantir a aprovação de PECs e projetos de lei. Para complicar o cenário, a Câmara e o Senado nunca estiveram tão fragmentados. A próxima legislatura na Câmara pode contar com 30 partidos, e a do Senado, 21.

Na Câmara, há a expectativa de que deputados de siglas nanicas que não superaram a cláusula de barreira – e ficaram sem acesso ao fundo partidário – migrem para legendas maiores ou que ainda ocorra fusões entre partidos. Ainda assim, o novo presidente terá que lidar com pelo menos duas dezenas de legendas. A previsão é que 148 deputados de oito siglas façam oposição ao novo governo, deixando assim o campo para buscar potencial aliados em cerca de 360 deputados.

Bolsonaro vem apontando que pretende contornar tudo isso e simplificar o processo ao reverter a forma tradicional de negociação parlamentar para aprovar projetos de lei. Por essa estratégia, os caciques partidários devem perder influência no processo de conseguir votos. A prioridade será dada a negociações diretas com as bancadas temáticas do Congresso, como as frentes parlamentares da agropecuária e dos evangélicos e a chamada “bancada da bala”, que reúnem deputados de dezenas de partidos, muitas de tendência conservadora e que contam hoje mais de 200 deputados.

O deputado Capitão Augusto (PR-SP), um aliado do novo presidente, sintetizou essa visão. “Eu acredito que as bases temáticas estão tendo uma força maior que as bases partidárias. Então você vê uma bancada enorme da segurança pública, a bancada cristã e a bancada rural. Essas três bancadas fazem com que a gente tenha realmente essa esperança de que ele terá uma grande bancada na Câmara”, disse.

Essa estratégia deve se ancorar também na popularidade do presidente e na visão de que essas bancadas devem convergir para certos temas defendidos pelo presidente eleito, especialmente aqueles que envolvem comportamento. O presidente também repetiu várias vezes que não pretende ofertar cargos e verbas para aprovar projetos.

No entanto, políticos com experiência em negociações não acreditam no sucesso dessa receita a longo prazo para a aprovação de alguns projetos, especialmente os econômicos. O ministro da Casa Civil do governo Temer, Eliseu Padilha, que é também o coordenador da transição, já declarou que Bolsonaro terá que, em algum momento, conversar com os partidos e não apenas com as bancadas temáticas. “Isso terá de ser feito via partidos, pois são eles que controlam seus deputados e seus votos. É muito difícil que se possa fazer um bom governo sem essa articulação com os partidos”, disse.

Tal estratégia, com algumas diferenças, foi usada pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), que garantiu sua eleição para a chefia da Câmara em 2015 ao negociar diretamente com deputados do “baixo clero”, em vez de se apoiar na influência das cúpulas partidárias. No entanto, o reinado de Cunha foi curto. Em 2016, ele foi abandonado pelos aliados e cassado.

Tanto a bancada ruralista quanto a evangélica também saíram relativamente enfraquecidas na onda de renovação do último pleito. Vários nomes conhecidos perderam suas vagas – inclusive um aliado próximo de Bolsonaro, o senador evangélico Magno Malta (PR-ES) –, e as lideranças das duas bancadas ainda aguardam para ver se os novatos que chegaram ao Congresso vão se juntar aos grupos. Apenas a bancada da bala saiu fortalecida.

Algumas dessas bancadas também têm potencial para divergir sobre alguns temas. A bancada da bala, embora claramente favorável a projetos linha dura na área da segurança, deve dificultar propostas de reforma da previdência que envolvam mudanças na aposentadoria de militares. Setores do agronegócio também já sinalizam que não querem saber do fim de subsídios, como defendido nas propostas ultraliberais do guru econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes, que deve assumir o Ministério da Fazenda.

Até mesmo integrantes do círculo próximo de Bolsonaro que devem preencher cargos no futuro governo parecem já se desentender. Esta semana, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que deve assumir a Casa Civil, falou que a reforma da Previdência deve ficar só para 2019. Ele também disse que a atual proposta, desenhada com a influência do governo Michel Temer, é um “remendo”. No entanto, Guedes afirmou logo depois desejar que a proposta de Temer volte a andar ainda no final desta legislatura. Em seguida, foi a vez de Lorenzoni recuar e afirmar que a decisão de incentivar uma votação ainda neste ano cabe a Bolsonaro.

Por enquanto, o Congresso está parado. Os trabalhos devem ser retomados em novembro. O período será curto, já que o parlamento entra em recesso em dezembro. A próxima retomada será apenas em fevereiro, quando toma posse a próxima legislatura. Interessado em se manter na Presidência da Câmara e buscando o apoio de Bolsonaro, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), articula para colocar em pauta ainda este ano alguns dos projetos defendidos pelos ex-capitão. O principal deles é o esvaziamento do estatuto do desarmamento, para facilitar a venda de armas de fogo no país.

Em seu programa de governo, Bolsonaro apontou que pretende “reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiro”.

Mudanças dependem da aprovação de um projeto de lei, ou o voto de 257 deputados e 41 senadores. Há dois projetos sobre tema que já tramitam no Congresso. Um deles já foi aprovado pela comissão especial que tratou do tema em 2015. Um aliado de Bolsonaro, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), disse que o projeto, entre outras coisas, deverá suprimir uma norma que obriga o comprador a comprovar a necessidade de possuir uma arma. Segundo Fraga, esse critério é muito “subjetivo”.

Fonte: DW Brasil

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