O Brasil foi o último país da América Latina abolir a escravidão. A Lei Áurea, de n.º 3.353 de 13 de maio de 1888, foi a lei que extinguiu a prática no Brasil. O que muitos livros de histórias não contam é que essa conquista foi fruto de uma grande luta social. Dentre os muitos que lutaram, um advogado negro fez toda a diferença nesse processo e o nome dele é Luís Gama.
Advogado, jornalista e escritor brasileiro, Gama foi um ex-escravizado que lutou por outras centenas de pessoas que estavam na mesma situação fossem libertas. Mas você conhece a história dessa figura importante?
Quem foi Luiz Gama?
Luís Gonzaga Pinto da Gama, mais conhecido como Luiz Gama, é considerado o patrono da abolição no Brasil. Nascido em 21 de junho de 1830, em Salvador (BA), ele é filho da ex-escravizada Luíza Mahin e um fidalgo português branco, do qual nunca foi revelado o nome.
Aos 10 anos, Luiz foi vendido como escravo pelo próprio pai, sendo assim o único abolicionista que passou pela experiência da escravidão. Por conta da venda, ele veio para São Paulo, cidade na qual viveria até a sua morte. Autodidata, ele conquistou judicialmente a própria liberdade aos 17 anos e posteriormente se tornaria advogado.
Gama sonhava com um país “sem reis e sem escravos” e por isso dedicou a vida à libertação dos seus semelhantes. Em uma carta autobiográfica a Lúcio de Mendonça, Gama estimou que libertou do cativeiro mais de 500 escravizados ao longo da vida.
No entanto, o número pode ser ainda maior, já que o Tribunal de Justiça de São Paulo apresenta uma centena de processos com seu nome. Mas você conhece a história deste herói nacional? Vem com a gente que a Politize! te resume mais sobre a história dessa figura história.
A luta de Luíz Gama no direito e jornalismo
Luiz Gama pautou sua vida pela abolição da escravidão e o fim da monarquia no Brasil. Para ele, estes eram ideais que andavam lado a lado. Em um escrito para o Correio Paulistano, publicado em 29 de janeiro de 1867, ele relatou:
“O dia da felicidade será o memorável dia da emancipação do povo, e o dia da emancipação será aquele em que os grandes forem abatidos e os pequenos levantados; em que não houver senhores nem escravos; chefes nem subalternos; poderosos nem fracos; opressores nem oprimidos; mas em que o vasto Brasil se chamar a pátria comum dos cidadãos brasileiros ou Estados Unidos do Brasil”.
Luiz Gama nunca frequentou escolas, mas foi um dos mais importantes intelectuais negros do seu tempo. Apesar de ter sido proibido de estudar Direito regularmente na Faculdade do Largo de São Francisco por ser negro, foi aceito como ouvinte e utilizou o conhecimento adquirido ali pela libertação de mais de 500 escravizados.
Por meio do estudo aprofundado da cultura jurídica, ele descobriu leis que protegiam a vida dos escravizados e não eram aplicadas. Além da articuação na àrea do direito, ele escrevia sobre os casos nos jornais locais para conscientizar a população sobre os seus direitos. Um exemplo disso, são os decretos:
- Lei do Feijó, de 7 de novembro de 1831: proibia a importação de escravizados no país, além de declarar livres todos os que foram trazidos para terras brasileiras a partir daquela data.
- Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871: determinava que os filhos de escravizados nascidos a partir de 1871 seriam considerados livres e que os senhores deveriam fazer uma matrícula de seus escravos.
Um caso de destaque defendido por ele ocorreu em 1870, conhecido como “Questão Netto”. Manoel Joaquim Ferreira Netto, um fidalgo português que tinha muitas posses determinou, em seu testamento, que todos os seus escravos fossem libertados após a sua morte, que ocorreu em 5 de abril de 1868. No entanto, seu pedido não foi atendido.
Ao ler sobre o caso em um jornal em 1869, Gama defendeu o caso e libertou 217 escravizados. Esse caso é considerado a maior ação coletiva de libertação das Américas. Por ora, não há registro de um processo que envolvesse mais pessoas, segundo o historiador Bruno Rodrigues de Lima, doutorando em História e Teoria do Direito pelo Max Planck Institute, em Frankfurt, na Alemanha.
Além da sua atuação como advogado, o intelectual escrevia para jornais importantes da época, porque acreditava que a mídia era um importante espaço para expandir ideias. Aos 29 anos, ele publicou seu primeiro e único livro ‘Primeiras trovas burlescas & outros poemas’, no qual escreveu sátiras sociais, políticas e raciais sobre o Brasil de sua época.
O reconhecimento da luta e legado
Luiz Gama lutou incesantemente pelo fim da escravidão, mas morreu seis anos antes da Lei Áurea, que concedeu liberdade total aos escravizados. Para a Gazeta do Povo, em 1º de dezembro de 1880, ele escreveu:
“Em nós, até a cor é um defeito, um vício imperdoável de origem, o estigma de um crime; e vão ao ponto de esquecer que esta cor é a origem da riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam ; que esta cor convencional da escravidão, (…) à semelhança da terra, (a)través da escura superfície, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade. Vim (lembrar ao) ofensor do cidadão José do Patrocínio por que nós, os abolicionistas, animados de uma só crença, dirigidos por uma só ideia, formamos uma só família, visando um sacrifício único, cumprimos um só dever.”
No dia da sua morte, em 24 de agosto de 1882, centenas de pessoas saíram às ruas para prestar a última homenagem ao revolucionário. Seu corpo teve um cortejo fúnebre até o Cemitério da Consolação, onde seu caixão foi passado de mão em mão até chegar ao local onde seu corpo está enterrado até os dias de hoje.
Em 1931, ele se tornou a primeira pessoa negra a ter uma estátua na cidade de São Paulo. A homenagem está localizada no Largo do Arouche, centro da cidade.
Em 2015, 133 anos após sua morte, o abolicionista recebe o título oficial de advogado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e em 2018 foi declarado patrono da abolição da escravidão no Brasil.
Semelhantemente, em 2020, foi reconhecido pelo Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos ao lado de Laerte e Sueli Carneiro. No ano seguinte, a ECA USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo) concedeu por unanimidade o título de Doutor Honoris Causa a Luiz Gama. A proposta foi apresentada pelo professor Dennis de Oliveira.
Em 2021, o abolicionista foi retratado no filme ‘Doutor Gama’, de Jefferson De. Ainda, os livros ‘Com A Palavra, Luiz Gama’ (2011) e ‘Lições de resistência: artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro‘ (2020) possuem os textos integrais escritos por Gama no período pré-abolicionista e pré-republicano.