Faltando menos de um ano para os candidatos a prefeitos e, principalmente, vereadores decidirem por qual partido político irão disputar às próximas eleições municipais de 2024, um tema que gera controvérsias tanto no meio político como jurídico é sobre a carta de anuência para que vereadores possam desfiliar-se do partido político que foram eleitos, sem a perda do mandato eletivo.
Considerando que, nos termos do § 3º, do art. 14, da Constituição Federal, são condições de elegibilidade a filiação partidária e que na forma da Lei 9.096, de 19/9/1995 (Lei dos Partidos Políticos), perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito (art. 22-A), a anuência da agremiação partidária para a desfiliação partidária do parlamentar eleito gerava polêmica.
Contudo, com a vigência da Emenda Constitucional nº 111, de 28/09/2021, que alterou a Constituição Federal, incluindo o § 6º ao art. 17 e prevendo a carta de anuência, ao estabelecer que: “Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido […]”, ou seja, o texto constitucional brasileiro passou a reconhecer as chamadas cartas de anuências dos partidos políticos como instrumentos válidos para a desfiliação partidária, sem que haja a perda do mandato eletivo do parlamentar que se desfiliar.
Nesse sentido, o TSE – Tribunal Superior Eleitoral firmou o seguinte entendimento:
“[…] Desfiliação partidária. Justa causa. Carta de anuência. […] 4. Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 111 de 28.9.2021, que inseriu o § 6º ao art. 17 da CF, esta Corte Superior já decidiu em feitos similares ao presente, ajuizados após a entrada em vigor do novo texto constitucional, que, ‘manifestada anuência partidária nos autos, reputa-se autorizado ao parlamentar requerente desfiliar-se da agremiação pela qual se elegeu no pleito de 2018, sem a perda do mandato, à luz do indigitado art. 17, § 6º, da Constituição Federal’ […] 6. Caracterizada a hipótese fática de que trata o novel texto constitucional, é irrelevante a circunstância de não constarem da carta de anuência os motivos da respectiva confecção. […]” (Ac. de 20.10.2022 no AgR-REspEl nº 060005129, rel. Min. Sérgio Banhos.).
Agora, apesar da anuência do partido configurar justa causa para a desfiliação partidária, independentemente dos motivos alegados pelo parlamentar exercente do mandato, fica a dúvida sobre qual nível hierárquico partidário estaria apto a expedir carta de anuência válida para a desfiliação.
O texto constitucional vigente (§ 6º do art. 17) não assevera sobre qual nível hierárquico da agremiação partidária estaria apto a expedir carta de anuência para desfiliação do detentor de mandato eletivo, mas deve-se observar que o § 1º do art. 17 da Constituição Federal assegura aos partidos políticos autonomia sobre sua organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.
Portanto, visando as eleições municipais de 2024, os atuais vereadores em pleno exercício do mandato eletivo, a fim de evitar a perda do respectivo mandato por infidelidade partidária ao se desfiliarem antes do período da janela partidária[1], poderão obter carta de anuência do partido que estão filiados e foram eleitos, devendo a anuência ser do diretório municipal, estadual ou nacional, conforme dispuser o estatuto do respectivo partido, além disso deve o diretório estar ativo e com certidão válida no sistema de informações partidárias da Justiça Eleitoral para produzir os efeitos jurídicos da justa causa de desfiliação partidária.
[1] Janela partidária é o período de 30 dias anteriores ao prazo final de filiação partidária exigido em lei para concorrer à eleição proporcional, ao término do mandato vigente, sem a perda desta, conforme estabelece o inciso III, do parágrafo único, do art. 22-A da Lei nº 9.096/1995.