Em temas como privatizações, corporativismo e reforma da Previdência, o ex-ministro do STF votou contra o que costuma entender a esquerda, aponta o consultor legislativo Pedro Nery
Joaquim Barbosa tem origem pobre, já votou em Lula e Dilma Rousseff para presidente e acaba de se filiar a um partido historicamente identificado com a esquerda, o PSB, pelo qual cogita disputar a Presidência da República. Mas votou contra o entendimento tradicional da esquerda em importantes discussões de temas econômicos durante os 11 anos em que foi ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), entre 2003 e 2014.
A constatação é do economista Pedro Nery, consultor legislativo do Senado. “No conjunto, o que se observou de Joaquim Barbosa no STF em temas polêmicos e divisivos importantes para a economia é uma visão mais liberal do que a do partido a que hoje está filiado”, escreveu Nery em artigo publicado na última quinta-feira (19) no jornal Valor Econômico.
“Em temas que não saíram da ordem do dia, como as privatizações, o salário mínimo, a organização do Banco Central, o corporativismo e a reforma da Previdência, Joaquim Barbosa votou – e fundamentou decisões – em direção contrária ao que costuma entender a esquerda brasileira”, constatou o economista.
Os casos citados por Nery jogam alguma luz sobre o pensamento econômico de Barbosa, que, avesso a entrevistas, fala pouco sobre esse e outros assuntos. Confira alguns exemplos e os respectivos governos em que estavam inseridos:
1) Quebra do monopólio estatal do petróleo (FHC)
Joaquim Barbosa tornou-se ministro do STF em 2003, por indicação do então presidente Lula. Mas teve a oportunidade de analisar leis criadas durante o governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Uma delas foi a quebra do monopólio estatal do petróleo, contestada por duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs). Em seu voto, Barbosa divergiu do relator, Ayres Britto, afirmando que a propriedade do petróleo pela União não deveria ser confundida com monopólio de exploração. “Ele ressaltou que concessões à iniciativa privada se justificam se o Estado não tem recursos para prestar todos os serviços públicos ou se lançar em atividades de alto risco”, apontou Nery em seu artigo.
2) Lei complementar dos pisos salariais (FHC)
Barbosa votou a favor dessa lei, que segundo Nery diminui a pressão por aumentos do salário mínimo nacional. E, consequentemente, alivia as contas públicas, em especial as da Previdência, que são impactadas por aumentos do mínimo.
3) Previdência dos servidores (Lula)
Logo em seu primeiro ano de governo, Lula reformou a previdência dos servidores públicos. Entre outras coisas, a reforma instituiu a cobrança de contribuição previdenciária dos servidores aposentados. O Ministério Público Federal (MPF) e a relatora do caso no Supremo, ministra Ellen Gracie, diziam que a contribuição era inconstitucional. Foi Barbosa quem abriu a divergência, favorável à reforma, que acabou vencendo por 7 votos a 4. O ministro argumentou que a “tese da exacerbação do direito adquirido protegido por cláusulas pétreas”, apontada pelos autores da ADI, era “absolutamente desarrazoada e antijurídica” naquele caso.
Na avaliação dele, não faz sentido “que alguém possa adquirir o direito de não pagar tributos”. Disse ainda que, se nada fosse feito na Previdência dos servidores, o bem-estar das futuras gerações de servidores estaria comprometido. Joaquim Barbosa reiterou sua posição pró-reforma – principalmente na aposentadoria dos servidores – em ocasiões recentes, mas destacando que a mudança na lei não deveria ser conduzida por um governo que, em sua avaliação, não foi respaldado pelo voto popular.
4) Status de ministro para o presidente do Banco Central (Lula)
Joaquim Barbosa foi favorável à concessão do status de ministro para o presidente do Banco Central – concedido por Lula em 2004, quando Henrique Meirelles comandava o BC. “O Banco Central não é tecnicamente subordinado ao Ministério da Fazenda”, afirmou Barbosa na ocasião. O governo justificou o novo status afirmando que o BC havia assumido “importância estratégica”, mas a mudança ocorreu depois de Meirelles ter sido alvo de denúncias de sonegação de patrimônio – e o status de ministro acabou lhe garantindo o foro privilegiado.
5) Ações movidas por associações de juízes (Lula)
Em algumas ações movidas por associações de juízes, que questionavam normas internas de tribunais, Barbosa foi voto vencido. Numa delas, o Supremo decidiu – contra a vontade do ministro – que tribunais não poderiam proibir juízes de dar aula no horário de expediente.
6) Política de valorização do salário mínimo (Dilma)
Joaquim Barbosa votou a favor da política de valorização do salário mínimo instituída pela então presidente Dilma Rousseff, que no Supremo foi contestada por prever o reajuste dos quatro anos seguintes de uma só vez, e não anualmente. “A medida dá maior previsibilidade aos empregadores e às próprias contas públicas, pela vinculação dos gastos da Seguridade”, escreveu Nery em seu artigo.
7) Contribuição dos servidores nos estados
Nery observa que, em seus últimos anos no Supremo, Joaquim Barbosa votou a favor do aumento da contribuição previdenciária de servidores estaduais. Ele suspendeu liminares dos Tribunais de Justiça de Goiás e do Rio Grande do Sul que, por sua vez, suspendiam tais aumentos. “Note que foi este tema que tratou a Medida Provisória 805, que caiu em abril após ter sido suspensa pelo ministro Ricardo Lewandowski. Ela aumentava a contribuição dos servidores da União e, reflexamente, dos estados e municípios”, anotou o consultor do Senado.
Curta nossa Página no Facebook!
Fonte: Gazeta do Povo.