Entre problemas na educação, no acesso ao emprego ou de violência, foi a saúde o tema apontado por entrevistados pelo Datafolha em setembro como o principal mal no Brasil.
Na pesquisa, 23% dos eleitores de todas as regiões do país citaram o tema, a violência veio em seguida (20%), depois a corrupção e o desemprego (ambos mencionados por 14% dos entrevistados) e, finalmente, a educação (12%).
A sondagem também verificou que, para 4 em cada 10 brasileiros, a prioridade do próximo presidente deveria ser a saúde.
Alguns dados dão a dimensão dos gargalos mais visíveis à população no acesso a este que é um direito garantido pela Constituição e de responsabilidade compartilhada entre os governos federal, estaduais e municipais.
Em 2017, o Ministério da Saúde identificou, por exemplo, que 667 mil pacientes esperavam, no Brasil, pela realização de alguma cirurgia eletiva (programada, e não de urgência) pelo SUS (Sistema Único de Saúde) – procedimentos do tipo são financiados pelo governo federal, que repassa verbas aos estados e municípios.
O acesso a médicos também apresenta dificuldades para os brasileiros, principalmente aqueles que vivem no Norte e Nordeste, em contraposição à concentração de profissionais no Sudeste.
Com média de 2,1 médicos por mil habitantes, o Brasil está acima apenas da Turquia na comparação desta taxa com 33 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), segundo o estudo Demografia Médica no Brasil 2018. A média destes países foi de 3,4 médicos por mil habitantes.
Diagnósticos sobre a saúde no Brasil fazem parte das propostas dos candidatos à presidência, Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL), que apresentam também diferentes soluções para o tema.
Confira abaixo levantamento feito pela BBC News Brasil com base nos programas e campanhas deles.
Como pagar a conta?
O percentual de gastos com a saúde no PIB do Brasil, de 9,5% em 2014, é comparável e até maior que o de países de primeiro mundo como Reino Unido (9,1% do PIB) e Austrália (9,4%).
Mas, segundo Walter Cintra, professor na FGV-SP e especialista em administração de serviços de saúde, esta porcentagem por si só diz pouco.
“Cerca de 4% deste gasto é público, a outra parte, os 5%, é privado: vem, por exemplo, das próprias famílias. Além disso, o gasto per capita (total, tanto público quanto privado) em saúde é em torno de US$ 1,3 mil no Brasil, enquanto em países da OCDE foi de cerca de US$ 4 mil, em valores de 2017”, explica Cintra, coordenador do curso de especialização em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde da FGV-SP.
Os gargalos para a saúde no Brasil devem-se, em parte, a uma falta de dinheiro ou ao mau uso dele? As propostas de Bolsonaro e Haddad apresentam respostas diferentes.
As propostas de Bolsonaro indicam que “é possível fazer muito mais com os atuais recursos”, como diz seu programa de governo protocolado no TSE. O documento cita a proximidade dos gastos do Brasil com saúde com a média da OCDE.
“Abandonando qualquer questão ideológica, chega-se facilmente à conclusão que a população brasileira deveria ter um atendimento melhor, tendo em vista o montante de recursos destinados à Saúde (…) Mesmo quando observamos apenas os gastos do setor público, os números ainda seriam compatíveis com um nível de bem-estar muito superior ao que vemos na rede pública.”
Já os documentos da campanha petista fazem frequente referência à EC 95, mais conhecida como a Emenda Constitucional do Teto de Gastos, aprovada em 2016, que impede que o gasto público federal cresça mais do que a inflação. O limite inclui despesas com saúde e educação, o que vem justificando a proposta de Haddad pela revogação da emenda.
“O país deve aumentar progressivamente o investimento público em saúde, de modo a atingir a meta de 6% em relação ao PIB. Novas regras fiscais, reforma tributária, retorno do Fundo Social do Pré-Sal, dentre outras medidas, contribuirão para a superação do subfinanciamento crônico da saúde pública”, diz o programa petista.
Quase 70% dos brasileiros não têm plano de saúde particular (individual ou empresarial), segundo uma pesquisa deste ano do SPC Brasil e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas. Aproximadamente metade (45%) da população sem plano de saúde diz recorrer ao SUS quando precisa de atendimento, enquanto o restante paga serviços esporádicos do próprio bolso.
Nas propostas dos presidenciáveis, o cenário implica diferentes fórmulas combinando o setor privado e público de saúde.
Haddad é quem faz referência mais explícita ao SUS, que, segundo o programa do candidato, é “a política pública mais inclusiva do país, pois atende a toda população brasileira”. O documento critica também as inclinações do governo atual de Michel Temer (MDB) à expansão de planos de saúde “populares”.
“A partir de uma concepção fortemente privatizante da saúde, o governo golpista e seus aliados não apenas ataca o SUS, como procura criar regras que prejudicam fortemente os usuários de planos privados de saúde, por exemplo, com aumentos abusivos de preços e exclusões de cobertura”, diz o programa de Haddad.
Defende-se também a regulação transparente dos planos privados e a regulamentação do terceiro setor, em particular as organizações sociais – “superando o paradigma da precarização e da terceirização da gestão”.
A combinação entre setor público e privado da saúde aparece de forma mais tímida no projeto de Bolsonaro, que prevê um “credenciamento universal dos médicos”. A medida permitiria, de um lado, que “toda força de trabalho” possa ser utilizada pelo SUS e, ao mesmo tempo, que “todo médico brasileiro” possa “atender a qualquer plano de saúde”.
“Isso permitirá às pessoas maior poder de escolha, compartilhando esforços da área pública com o setor privado”, diz a proposta.
Informatização
Em uma coisa os candidatos parecem concordar: na informatização de prontuários, algo presente na proposta de ambos.
Bolsonaro nomeia o projeto como o “Prontuário Eletrônico Nacional Interligado”, em que postos, ambulatórios e hospitais, por meio da informatização, registrariam os dados de atendimento.
“O cadastro do paciente reduz os custos ao facilitar o atendimento futuro por outros médicos, em outros postos ou hospitais. Além disso, torna possível cobrar maior desempenho dos gestores locais”, defende o programa.
A proposta petista também faz acenos para a informatização: “O governo Haddad investirá na implantação do prontuário eletrônico de forma universal e no aperfeiçoamento da governança da saúde. Estimulará ainda a inovação na saúde, ampliando a aplicação da internet e de aplicativos (…)”.
Para Walter Cintra, as propostas vão ao encontro do papel do governo federal na integração nacional – afinal, como o próprio nome indica, o SUS é um sistema que visa ser unificado.
“Já existe tecnologia para a realização de prontuários eletrônicos, é algo fundamental e factível do ponto de vista econômico. Na verdade, é o tipo de gasto que traz economia”, aponta.
Acesso a atendimento especializado
Os programas diagnosticam também os gargalos no acesso a atendimento especializado, como por ginecologistas, obstetras e psiquiatras.
Segundo o relatório Demografia Médica no Brasil, estas são algumas das especialidades que se destacam por terem menos profissionais à disposição da população que a média dos países da OCDE.
De acordo com Antonio Thomaz da Matta Machado, do departamento de Medicina Preventiva da UFMG, na divisão de responsabilidades, é do governo federal a função de regular e padronizar a formação de médicos no país.
“Não tem jeito de ser uma coisa do mercado, o governo é que tem que assumir isso. Precisamos de muitos médicos. Não só de especialistas, mas na própria atenção primária. Até mesmo nas cidades (áreas urbanas), em que há mais médicos por habitantes, o acesso é difícil”, aponta o pesquisador.
Para além da formação, as propostas dos presidenciáveis sinalizam superficialmente para medidas que facilitariam o acesso a especialistas.
Haddad, por exemplo, menciona uma “Rede de Especialidades Multiprofissional”, que levaria pólos de atendimento fixos e móveis a diferentes regiões em parceira com Estados e municípios.
Já Bolsonaro indica aquela que é uma reivindicação antiga da categoria: a criação da carreira de médico do Estado, com a finalidade de atender áreas remotas do país.
Para o professor Antonio Machado, as dificuldades no atendimento especializado se relacionam a um quadro mais geral em que procedimentos de média e alta complexidade, em que deveria haver um protagonismo do governo federal, vivem em uma espécie de limbo.
“O SUS conseguiu estruturar uma rede de atenção básica extensa, ainda que tenha muito a ser feito pela qualidade dela. Por outro lado, o sistema público consegue oferecer procedimentos de alto custo de excelência, como quimioterapia e transplantes. São serviços nos quais os planos de saúde normalmente não entram e são acessados pela classe média”, aponta.
“Mas existe um meio aí, de diagnósticos e procedimentos como uma cirurgia renal simples, que é como se não tivesse dono. Nunca teve um projeto para verdadeiramente garantir a universalidade no acesso à saúde neste nível.”
O Mais Médicos
Por outro lado, se tem um tema de saúde que não saiu dos holofotes nos últimos anos foi o programa Mais Médicos, lançado em 2013 pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Ele também não passou em branco nos programas de ambos os candidatos.
Uma parte do programa, que prevê a chamada de médicos formados no exterior para trabalhar, é citada pela proposta de Bolsonaro sob a representação dos médicos cubanos – que acabaram se tornando uma vitrine, para bem ou para o mal, do Mais Médicos.
O documento do presidenciável defende que os profissionais só possam atuar se aprovados no Revalida, o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos: “Nossos irmãos cubanos serão libertados. Suas famílias poderão imigrar para o Brasil. Caso sejam aprovados no Revalida, passarão a receber integralmente o valor que lhes é roubado pelos ditadores de Cuba!”.
Já o programa petista defende a continuidade e expansão do Mais Médicos, segundo o documento uma “exitosa experiência” e “ousada iniciativa para garantir a atenção básica a dezenas de milhões de brasileiros”.
Infância e velhice
Se, por um lado, a expectativa de vida no Brasil não para de crescer – em 2016, era de 75,1 anos, segundo dados da OMS -, ela está atrás dos valores de países vizinhos, como Argentina (76,9) e Chile (79,5).
O aumento da parcela mais velha da população traz novos desafios para o sistema de saúde.
Já a mortalidade infantil acendeu um novo alerta em 2016, quando pela primeira vez em 25 anos voltou a crescer – 4,8% em relação a 2015. O Ministério da Saúde indica que o dado seja interpretado com cautela, não significando necessariamente uma mudança na tendência de redução.
Segundo a Unicef, o Brasil é um dos países que tem se destacado na diminuição desta mortalidade – passando de 47 mortes por mil nascidos vivos em 1990 para 13,3 em 2015.
“No entanto, bebês de até 1 ano ainda morrem no país por causas que poderiam ser evitadas. E as maiores vítimas da mortalidade infantil no Brasil são as crianças indígenas. Elas têm duas vezes mais risco de morrer antes de completar um ano do que as outras crianças brasileiras”, diz uma nota da Unicef sobre o tema de 2017.
Os programas dos candidatos ao Planalto trazem propostas para a infância e para a população idosa.
A campanha petista defende, na gestação, “programas de valorização do parto normal, humanizado e seguro”. Já a primeira infância é apontada como uma “diretriz estratégica” de um eventual governo, que teria o objetivo de fortalecer o combate à mortalidade infantil e ampliar o número de vagas em creches.
Para o envelhecimento, o documento faz apontamentos genéricos, como o projeto de desenvolvimento de “políticas específicas voltadas à proteção socioeconômica e ao envelhecimento ativo da população, especialmente em áreas de baixa renda”. Também é citado o projeto de criação do Plano Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável, que não é detalhado.
Já os planos de Bolsonaro defendem o combate à mortalidade infantil com melhoras no saneamento básico e prevenção do número de prematuros com a visita das gestantes ao dentista. Diz o programa: “Um exemplo de prevenção: Saúde bucal e o bem estar da gestante. Estabelecer nos programas neonatais em todo o país a visita ao dentista pelas gestantes. Onde isso foi implementado, houve significativa redução de prematuros”.
Fonte :BBC