Hoje (06) foi protocolado um pedido de abertura de uma CPI na Câmara Municipal de Parauapebas para investigar a Minerado Vale. A motivação da CPI é investigar a diferença entre os preços de vendas registrados nas notas fiscais e o preconizado na legislação mineral vigente, para determinação na base de cálculos da CFEM – Contribuição Financeira Sobre a Exploração Mineral. É bom lembrar que na legislatura passada foi aberta uma outra CPI contra a Vale na Câmara de Parauapebas e pouco, ou quase, nada produziu.
Ninguém sabe onde estarão os vereadores da atual legislatura em 2040, quando o minério de ferro das minas de N4 e N5 da Serra Norte de Carajás, as mais fartas e prósperas existentes no município de Parauapebas, esgotar-se. Mas, na atualidade, é tanto tiro no pé disparado pela Câmara que, no médio prazo, causará um buraco em Parauapebas do tamanho daquele que ficará nas entranhas do município quando a indústria extrativa mineral por aqui findar seu ciclo.
Problemas dentro e fora da área urbana saltam aos olhos e até a envergonham em nível nacional. Faltam saneamento básico, infraestrutura escolar, equipamentos de saúde pública e emprego. Sobram criminalidade, má distribuição de renda e pobreza. Ontem (5), aliás, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) atualizou os números de pessoas de baixa renda no país, e Parauapebas já contabiliza 69.330 cidadãos nessa lamentável condição, com pessoas cujo rendimento per capita não chega sequer a meio salário mínimo por mês.
Apesar de tantas lástimas sociais, a Câmara se mostra preocupada com abertura de mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para questionar práticas fiscais da mineradora multinacional Vale nos limites do município, de 2017 para cá. A iniciativa é louvável, mas está longe de refletir a real necessidade da população de Parauapebas, que sabidamente não faz questão de ver os cofres públicos com — ainda mais — dinheiro. Dos 5.570 municípios brasileiros, só 59 arrecadam mais que Parauapebas. No entanto, há mais de 1.450 com qualidade de vida superior à da “Capital Nacional do Minério de Ferro”. Isso desmonta qualquer discurso de que dinheiro seja problema para implementação de políticas públicas; o que de fato existe é a combinação da ausência de políticas, falência das que estão em curso e inadequação das raras que vêm sendo pensadas.
Falta de base
De maneira didática, a mineradora Vale funciona como o pilar que sustenta a empáfia financeira de Parauapebas. Nestes 30 anos, o município apenas cresceu — demais, diga-se de passagem — e não se desenvolveu a contento. A multinacional, que possui várias práticas comerciais questionáveis, como a de receber bônus pelo minério de Parauapebas e nada retornar ao município em relação a isso por não haver imposição legal, está longe de ser santa.
Mas, em três décadas, entre mortos e feridos no estranhamento de relações de todos os entes do poder público com a empresa, salvam-se todas as contas publicas do Municipo
Desde a primeira safra de royalties, em 1991, quando a moeda nem era o Real, até outubro deste ano, a Prefeitura de Parauapebas já viu entrar nos cofres R$2,77 bilhões. O valor da Cfem de 1991 transformado em moeda de hoje seria equivalente a R$1,58 milhão, de acordo com dados históricos do Tesouro Nacional. Em 2018, sem contar os repasses que ainda vão cair este mês e em dezembro, a prefeitura já faturou R$313,7 milhões. É, indiscutivelmente, muito dinheiro.
E, seja direta ou indiretamente, para além da compensação financeira, a Vale ainda derrama dinheiro em forma de taxas e impostos tanto a Parauapebas quanto ao Estado do Pará. Imposto Sobre Serviços (ISS), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Taxa de Fiscalização sobre Recursos Minerais (TFRM) são algumas das fontes de renda de estado e município para cima da mineradora.
Nesse universo de investida tributária à indústria mineral, o poder público em Parauapebas não dispensa o comportamento desesperado por dinheiro, quando o correto seria sentar para discutir o futuro do município exatamente sem a indústria mineral.
Sem alternativa
Parauapebas tem poucas alternativas, hoje e no futuro, diante do quadro atual de inércia de atribuições e responsabilidades intergovernamentais. Considerando-se o cenário socioeconômico atual, se o minério acabar, o município irá à lona. Se o minério não acabar, mas a produção for interrompida por mudança no comportamento do mercado internacional, o município irá à lona também. E se, ainda assim, o minério nem acabar, nem a produção for interrompida, mas gradativamente for reduzida, o município irá à lona do mesmo jeito. Não haverá minério que suporte o ritmo atual de produção, em torno de 140 milhões de toneladas por ano (Mtpa).
E aí está a grande questão a resolver. Com seu tamanho, e sem a extração mineral praticada pela Vale, Parauapebas só conseguiria arrecadar o equivalente à da Prefeitura de Castanhal, cuja receita corrente líquida no ano gira em R$377,5 milhões. Essa receita, todavia, não faria sequer cócegas à folha de pagamento da Prefeitura de Parauapebas, com valor anual de R$526,3 milhões. A conta não fecharia e servidores públicos, inclusive concursados, teriam de ser demitidos para conseguir deixar a folha com R$204 milhões e, assim, não ultrapassar o teto máximo de 54% da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Tudo isso parece absurdo e distante da realidade atual do município, mas se caminha para chegar lá. Hoje, sem qualquer ganha-pão além da Vale, o cenário de queda de receitas segue em frente e avante, com ou sem as benesses da mineração. O poder público simplesmente tem preguiça de pensar na questão, que é urgente.
O excessivo gasto de energia do Legislativo parauapebense para retirar pedras quietas e fora de rota, bem como para “recavar minas” em busca de mais recursos, deixa a “Capital Nacional do Minério de Ferro” cansada para buscar alternativas viáveis, lógicas, maduras e que potencializem a economia de fato, a fim de dar condições à sobrevivência da sociedade local. Adensar as cadeias produtivas do campo e criar condições para transformar Parauapebas em polo universitário, atraindo e não expulsando jovens aspirantes à universidade, precisam ser premissas básicas, inclusive com os recursos que já se tem.
Mineração local
Conforme o mais recente relatório da Vale, as reservas de minério de ferro dos corpos atualmente disponíveis (N4E, N4W e N5) e das reservas que serão as próximas a entrar na mira da lavra (N1, N2 e N3) totalizam 2,337 bilhões de toneladas. Na prática, segundo a empresa, é minério que dura até 2040, mas pode acabar antes porque o minério de Serra Norte tem teor acima de 65% e vem sendo demandado aceleradamente pela China, por conta das políticas de combate à poluição implementadas naquele país. No município ainda existem reservas intocadas nos corpos de N6, N7, N8 e N9, mas o volume conjunto dos quatro não suportaria dez anos na atual velocidade de produção da Vale em Parauapebas, em torno de 140 Mtpa.
Em 2015, a Vale extraiu do município 127,6 Mt de minério de ferro; em 2016, aumentou para 143,6 Mt; e no ano passado, 142,7 Mt. Este ano, de janeiro a setembro, já são 95 Mt. Em relação ao ano passado, aliás, a produção em Parauapebas está cerca de 9,5 Mt menor. Isso, para se ter ideia, corresponde a R$ 30 milhões em royalties que deixaram de entrar na conta da prefeitura local, o que confirma o argumento exposto mais atrás de que nem é preciso que o minério acabe para Parauapebas sentir efeitos no bolso; basta que a intensidade da produção diminua, e o município vai parar de ganhar.
Ao longo deste ano, as exportações de minério de ferro a partir do município despencaram em relação ao ano passado. Em 2017, de janeiro a setembro, foram 4,94 bilhões de dólares transacionados. Este ano, caiu para 4,35 bilhões de dólares. Mesmo com a queda das transações, os royalties à Prefeitura de Parauapebas aumentaram por conta de mudanças na legislação mineral, pela estabilização do preço do minério entre 65 e 80 dólares por tonelada e pela subida do dólar.
As questões conjunturais tributárias acerca de um produto precificado pelo mercado internacional e com forte repercussão na dinâmica social de Parauapebas estão para muito além da CPI da Câmara local, que perde tempo na tentativa de catar mais moedas, de um conjunto farto delas que não chega à população em forma de qualidade de vida.
Em minha opinião, essa CPI é perda de tempo e energia. Os nobre edis parauapebenses deveriam usar toda essa tenacidade com a Vale construindo pontes para trazer para o município um percentual do bônus que a Vale ganha lá fora sobre o minério de ferro daqui (a Vale fatura US$8,6 para cada 1% acima do preço de referência do minério de ferro, que é 62%. Mas o município não recebe nada por isso). Inclusive, essa deveria ser uma luta a ser feita com o envolvimento das Câmaras municipais de Canaã dos Carajás e Curionópolis, onde o produto avança 65% de teor. Outra sugestão seria os nobres vereadores gastarem os volumosos recursos disponibilizados àquela Casa indo visitar os locais onde a Vale negocia, tais como Qingdao, Tianjin e Xangai, na China; e Bombaim e Délhi, na Índia. Lá sim, os vereadores conseguiriam achar o atalho para provocar a transparência onde supostamente ela não existe.
Há alguns anos venho escutando que se pretende criar em Parauapebas um fundo independente usando os recursos da Cfem. Esse fundo serviria para fomentar a construção de novas fontes de trabalho e renda no município. Até onde se sabe, essa pretensão nunca saiu do papel, apesar do vizinho Canaã já tê-lo implementado naquele município há alguns anos. É nobre a intenção dos vereadores com essa de mais uma CPI, porém, totalmente infrutífera para os anseios dessa sociedade que tanto necessita de melhorias urgentes na qualidade de vida.
Fonte: Pebinha de Açúcar