Mercado: Ente Abstrato que impacta vidas reais de pobres, pretos e favelados

0
Mercado: Ente Abstrato que impacta vidas reais de pobres, pretos e favelados
Autores: Luciano Franco Ribeiro, Gilmar J. Fáva e Thales X. Menezes / Foto: reprodução

Alunos do programa do Doutorado da Universidade de Buenos Aires-UBA Publicam Artigo sobre o Impacto do Mercado na Vida de Pobres, Pretos e Favelados.

A palavra “mercado” tem roubado as cenas cotidianas dos brasileiros nos últimos anos, com mais intensidade nestes últimos meses. Mas quem é o tal “mercado”?

Pois bem. Chegou o momento de desvendar o grande mistério que se faz em torno da palavra “mercado”, cuja definição melhor de se apropriar é a definição da EMATER-DF[1] que define: “deve ser entendido como o “local” em que operam as forças da oferta e demanda, através de vendedores e compradores, de tal forma que ocorra a transferência de propriedade da mercadoria mediante operações de compra e venda”.

Esse tema se aproxima muito de pessoas comuns, ou seja, cidadãos das classes média e pobre do país que, de fato, são a força que impulsiona o capital financeiro “mercado”, mas essa força está envolvida com a demanda, em detrimento daqueles que buscam os lucros na oferta. Ocorre que a maioria das pessoas que buscam a “oferta” são aqueles que têm renda familiar variável até vinte salários mínimos vigentes no país, com destaque massivo ao consumo das ofertas para as rendas de até quatro salários mínimos, que fazem parte da classe social mais vulnerável do Brasil.

O objetivo aqui não e a discussão, meramente, acadêmica sobre o que é o “mercado” embasado em teorias da sociologia e até mesmo da ciência econômica, mas sim demonstrar que existe um “ente abstrato” que tem domínio de classe da pirâmide social, as Classes A e B, pirâmide que faz a estratificação social no âmbito do conceito sociológico. A melhor classificação usada é a do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), a lembrar: Classe A (acima de 20 salários mínimos), Classe B (de 10 a 20 salários mínimos), Classe C (de 4 a 10 salários mínimos), Classe D (de 2 a 4 salários mínimos) e Classe E (recebe até 2 salários mínimos).

Mercado: Ente Abstrato que impacta vidas reais de pobres, pretos e favelados
Favelas brasileiras têm mais de 17 milhões de moradores / Crédito: Paralaxis/iStock

Através dessa nomenclatura do IBGE, podemos então dizer que a oferta fica por conta das Classes A e B e a demanda cooptada pelas Classes C, D e E. Com isso, embora natural, mas não admissível, o uso do método sagaz da “manipulação”, ou o “tal mercado”, este “ente abstrato” que tem domínio da economia e da política do Brasil. Somente duas das classes sociais dominam os argumentos econômicos que dão aso às ponderações de sentido de elevação ou queda das bolsas de valores econômicos do país, já que a sociedade, como um todo, não está ali representada, e o “mercado”, por ser um ente abstrato, impacta em vidas reais de famílias de pobres, pretos e favelados, na sua maioria na faixa de classes mais baixas da pirâmide social.

O que impressiona é que o tal “mercado”, embora sem vida própria, tem função e dominar atividades políticas, sociais e econômicas do país, elevando-se o “ente abstrato” ao patamar de “supremacia do poder”, mas isso ocorre porque as Classes A e B se favorecem desse abstracionismo do mercado para dizer o que é, o que pode e quem deve ser beneficiado desse mandamento do chamado “mercado”.

A pergunta que fica é: onde estão as pessoas das Classes C, D e E daquela pirâmide social? Ora, a pergunta tem como resposta cristalina o próprio ente abstrato “mercado” que diz: O que importam os que estão nas Classes C, D e E? No discurso, importam muito, mas nas ações, nem passam pelos interesses daqueles beneficiados.

Mercado: Ente Abstrato que impacta vidas reais de pobres, pretos e favelados
A proporção de pobres na população brasileira foi de 36,7% no ápice — período da pandemia — para 27,4%. Foto: Cristiano Mariz/VEJA

De fato, o que menos importa para o “mercado” é a situação das pessoas que se enquadram nas classes C, D e E, porque essas pessoas são as que procuram a oferta e, independentemente, do “mercado”, essas pessoas é que consomem, se endividam, moram em locais perigosos, com pouca ou nenhuma condição humanitária de saneamento básico, segurança pública e moradia segura, e essa última, inclusive, está sob a espada do desmatamento para alimentar o povo, em nome do Agronegócio, causando essas crises climáticas e catástrofes que recentemente temos visto e ainda veremos piores daqui a pouco tempo.

As pessoas, principalmente as das Classes D e E, é que estão nas áreas desmatadas, depredadas e nos locais de moradia perigosas que são os únicos possíveis para que morem com suas famílias, apesar de esses ambientes estarem sob a posse e domínio das milícias e das organizações criminosas, tornando-se o “terceiro setor” da política hegemônica do país, colocando-se ao lado de todo o parlamento brasileiro, do executivo e do judiciário, cujo ordenamento econômico nacional tem suas mãos como manipuladoras do “mercado”.

Polarizada a política atual, surgem outros entes abstratos, tais como: economia de mercado; economia política, abastecimento econômico, mercado financeiro, mercado de capitais etc., e muitos outros elementos que a ciência “economia” possa gerar os grandes avanços e retrocessos que ocorrem no Brasil, por vezes, atrelando-se à variação da moeda internacional cambial (dólar), à flutuação da bolsa de valores (B3) e outras, além de diversos outros eventos que ocorrem no “universo paralelo do mercado de capitais”.

E há mais em dizer a respeito do “mercado”. O fato desse ente abstrato ter uma disposição, ânimo bastante humanizado, com volatilidade admirável e conforme os seus interesses. Esse “humor do mercado” depende muito de que políticas públicas está a se falar. Se forem politicas públicas que favoreçam aos cidadãos das Classes C, D e E, o “humor do mercado” se arvora e há o aumento da cotação do dólar e a queda das transações na bolsa de valores B3, inclusive interferindo nas cestas básicas que são as mais consumidas pelas outras Classes C, D e E, mas se há uma política pública que favoreça as Classes A e B, então o “humor do mercado” se estabiliza, mas sem perder qualquer lucro financeiro, ou seja, a cotação do dólar se retrai e as transações na bolsa de valores B3 aumentam, mas aqueles aumentos que foram decorrentes do favorecimento das outras classes sociais, não caem, não retroagem, não retrocedem. Como se sabe, estabiliza-se.

Essa volatilidade do “humor do mercado” tem a explicação óbvia de que se as políticas públicas são para as Classe C, D e E, teoricamente diminui o capital financeiro das classes dominantes A e B, recupera-se com o aumento do dólar e mantém a carteira de valores de investimentos, na moeda americana e nas aplicações financeiras, que o “mercado” também interfere. Mas, se as políticas públicas são para as Classes A e B, mantém-se a estabilidade da aplicação financeira da moeda americana, há o aumento dos indicativos em bolsas de valores B3, já que as empresas que são de propriedade dessas classes dominantes é que regulam o humanizado “humor de mercado” e mantêm o seu lucro nesses investimentos.

Com isso, obviamente perceptível que, políticas públicas aos trabalhadores é exportador de valores e investimentos no “mercado” e políticas públicas que favorecem as classes aristocratas, importam investimentos no “mercado”. Simples assim!

Em meio a todas essas variantes de humor do ente abstrato “mercado”, junta-se outro macro poder econômico, o ente abstrato “agronegócio” que está atrelado ao mundo real e que dá robustez ao Produto Interno Bruto (PIB), portanto, serve de base de amortecimento às crises políticas, sociais e econômicas que o Brasil atravessa desde 2008 e com mais intensidade nas últimas eleições de 2022.

Mercado: Ente Abstrato que impacta vidas reais de pobres, pretos e favelados
Foto: Mundo dos Investimentos

Essas ações, no entanto, tornaram-se pautas de polarização política e travam disputas de poder entre os atores políticos do país, mas em nada favorecem as Classes C, D e E que ficam à deriva de decisões e aportes políticos às pautas desses atores políticos, enquanto a chamada “pauta bomba” tira o foco dos fatos e ações públicas que favoreçam as classes trabalhadoras. No melhor dos movimentos do “mercado”, não é demais naturalizar o fato de que somente três mil pessoas no Mundo detém mais de 15 trilhões de dólares o que fazem desses “senhores do mundo” os atores principais da movimentação do ente abstrato “mercado”, razão pela qual esses argumentos estão todos interligados.

Com tudo isso, não há como deixar de lado o fato de que as Classes C, D e E estão, a cada dia, mais descapitalizadas, com mais horas de trabalho, ou com jornadas em dois ou mais empregos, enquanto as Classes A e B mantém sua hegemonia no “mercado” de capitais, ditando as pautas financeiras e colocando os trabalhadores à margem do limite suportável, descapitalizando-os, inebriando e comandando pautas políticas que trazem à discussão temas de impacto social, roubando cena da mídia com distúrbios econômicos e financeiros, de forma a se constituir uma “cortina de fumaça” e transformar o debate político, social, econômico como origens do “comunismo” ou do “socialismo liberal”, mas que nada contribuem ao crescimento do povo brasileiro.