O juiz federal Sergio Moro disse nesta terça-feira (6) que atuará no comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a partir de 2019, utilizando o modelo da Operação Lava Jato para combater o crime organizado e que vai trabalhar sem “perseguição política”. Moro afirmou ainda que recebeu a sondagem para participar do governo Bolsonaro em 23 de outubro, antes do segundo turno.
“A ideia é replicar no ministério as forças-tarefas adotadas na Operação Lava Jato“, disse Moro.
As declarações foram concedidas em Curitiba na primeira entrevista coletiva concedida por Moro desde 2014, quando assumiu operação. Antes de os repórteres começarem as perguntas, o juiz fez um histórico da operação e disse ter aceitado o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para implantar no governo federal uma “forte agenda anticorrupção” e “contra o crime organizado“.
Veja os temas abordados na entrevista
Convite de Paulo Guedes – O juiz afirmou ter sido procurado em 23 de outubro por Paulo Guedes (futuro ministro da Fazenda). Segundo o relato, o encontro ocorreu depois da retirada do sigilo da delação de Palocci.
No encontro, antes do segundo turno das eleições presidenciais, ele foi sondado sobre uma participação no governo. Moro contou que em 1º de novembro se encontrou com Bolsonaro. Segundo Moro, não foram estabelecidas condições para aceitação do convite.
Atuação no Ministério segundo a Lava Jato – Moro afirmou ter aceitado o ministério para implantar “uma forte agenda anticorrupção” e “contra o crime organizado”. Segundo ele, a ideia é replicar no ministério as forças-tarefas adotadas na Operação Lava Jato. Ele cita como exemplo a atuação do FBI no combate às máfias em Nova York.
Sem dar detalhes, Moro afirmou que apresentará uma série de propostas de combate ao crime organizado. A ideia, diz, é resgatar parte das “dez medidas contra a corrupção”, proposta encabeçada pelo Ministério Público Federal.
Entre as propostas está a possibilidade de os procuradores negociarem a pena (“plea bargain”), o que, afirma Moro, ajudaria a aliviar a Justiça, e aumentar a proteção de denunciantes anônimos, entre outras.
Integrantes do ministério – Moro disse que pretende chamar nomes que trabalham ou trabalharam na Operação Lava Jato e substituir cargos de comissão por cargos concursados.
“Pretendo chamar ao ministério pessoas absolutamente qualificadas e, sim, nomes que trabalharam na Operação Lava Jato, tanto por terem sido testados por sua eficiência, quanto por sua integridade. As indicações virão a seu tempo.”
Perseguição política – “Não existe a menor chance de utilização do ministério ou da polícia para perseguição política. Não foi feito isso durante a Operação Lava Jato. As pessoas foram condenadas com base em crime de corrupção, de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Com base em provas robustas e não por suas opiniões políticas. Não vai ser no ministério que eu vou começar a realizar isso”, afirmou Moro.
Sobre o processo contra o ex-presidente Lula, ele disse que a condenação à prisão não teve nenhuma relação com as eleições. “O que existe um crime que foi descoberto, investigado e provado e as cortes apenas cumpriram a lei. Não posso pautar minha vida num álibi falso de perseguição política.”
Caso Marielle – O futuro ministro também mencionou o assassinato da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro, e seu motorista Anderson Gomes, em 15 de março. “Não desconheço o problema que envolve o assassinato da ex-vereadora Marielle Franco e do senhor Anderson Gomes”, disse ele.
“Eu acho que é um crime que tem que ser solucionado. Eu, assumindo o ministério, pretendo me inteirar melhor dessas questões e ver o que é possível fazer no âmbito do ministério.”
Redução da maioridade penal – Moro entende ser “razoável” e se disse favorável à redução da maioridade penal para 16 anos em casos de crimes de graves contra a vida, que resultem grave lesão corporal ou crime de estupro.
Flexibilização da legislação de armas – O futuro ministro foi questionado sobre a flexibilização do uso de armas, e sinalizou ser favorável à flexibilização da legislação, bandeira defendida na campanha por Bolsonaro. Mas ponderou que “uma flexibilização excessiva pode ser utilizada como armamento para organizações criminosas”. “Tem que pensar quantas armas o indivíduo poderá ter em sua casa”, disse Moro.
“Conversei a respeito com o presidente eleito e existe uma plataforma na qual ele se elegeu que prega a flexibilização da posse de armas. Então, dentro dessa plataforma eleitoral, parece que seria inconsistente agir de maneira contrário”, afirmou o juiz.
Confrontos policiais – Para Moro, a estratégia tem que ser evitar qualquer espécie de confronto policial e “danos colaterais”. “A nossa legislação, ao meu ver, já contempla essas situações de legitima defesa, estrito cumprimento de dever legal. Tem que ser avaliado, no entanto, se é necessária uma regulação melhor”. O futuro ministro disse acreditar que confrontos são situações limites.
“Por exemplo, é necessário que o policial espere que um traficante armado atire contra ele de fuzil, pra que ele possa reagir? Me parece que exigir isso de um agente policial é demais. O risco de ele morrer é muito grande”, disse Moro.
Progressão de pena – Moro afirmou que o regime pena tem de ser mais rigoroso em alguns casos, e que o tema requer discussão. “Acho que se barateia a vida quando se tem progressão [de pena] muito generosa”, diz Moro.
Classificação de movimentos sociais como terrrorismo – Moro apontou que os movimentos sociais não são inimputáveis, devem responder por danos causados a terceiros, mas qualificá-los como terroristas “não é consistente” e “não se tem intenção de criminalizar manifestações sociais”.
Mudanças no Coaf – Moro afirmou que o Ministério da Justiça é o local adequado para se discutir mudanças no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), atualmente vinculado ao Ministério da Fazenda. “É preciso reestruturar o Coaf e fortalecer o Coaf”.
Na avaliação dele, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, estará muito ocupado com as questões ligadas à economia e o Coaf não deve ser um foco de preocupação dele. Por isso, de acordo com Moro, o local mais adequado para se discutir o Coaf seria o Ministério da Justiça.
Ele mencionou que não haverá interferência política no ministério e que esta também é uma posição de Jair Bolsonaro, que jamais aceitaria, segundo Moro, proteção a ninguém.
Indicação ao STF – Perguntado se impôs ao presidente eleito, como condição para assumir o ministério, a indicação a uma vaga no Supremo Tribunal Federal, Moro negou a condicionante, mas disse que a discussão sobre vagas que eventualmente surgirem no futuro deve ser feita em outro contexto.
“A pergunta é bastante pertinente, mas eu não estabeleci condições. Eu fui conversar com o presidente eleito com uma pauta para nós sabermos onde teríamos convergências e onde teríamos divergências superáveis, certo? Eu jamais procuraria o presidente eleito e estabeleceria condições pra assumir cargo público”, respondeu Sergio Moro.
Ele disse que, atualmente, não acha apropriado discutir sobre vagas no STF, já que não existe nenhuma aberta. “No que se refere ao Supremo Tribunal Federal, não existe uma vaga no momento e não faço aqui nenhum juízo de censura à sua pergunta, mas não acho aqui apropriado a discussão a respeito de uma vaga no Supremo Tribunal Federal atualmente”, disse.
Possíveis divergências com Bolsonaro – Moro afirmou que podem ocorrer divergências entre ele o presidente eleito e que isso é normal. “Vejo com absoluta naturalidade”. Segundo ele, a conversa que teve com Bolsonaro “foi bastante produtiva” e que houve “algumas divergências razoáveis”. “É possível que cheguemos a um meio termo”, disse.
O juiz também apontou que não tem dúvida de que a decisão final é do presidente. “Eventualmente, a melhor decisão pode ser a dele”, afirmou.
Juíza substituta – Ao comentar sobre a juíza Gabriela Hardt, que o substitui provisoriamente na Operação Lava Jato, Moro disse que ela é “absolutamente preparada”.
“É uma pessoa competente, íntegra. Ela não é uma juíza que surge agora. Ela já tem um longo histórico na justiça federal, com casos processuais relevantes”, afirmou. Ele disse ainda que não se sentiria confortável de deixar a operação se os processos não ficassem “em boas mãos”.
Moro ministro
Moro abandonou a carreira de juiz federal para ser ministro da Justiça do governo do presidente eleito. Na segunda-feira (5), ele comentou a decisão de deixar a magistratura e disse que não se vê “ainda como um político verdadeiro”. Na avaliação dele, o cargo é predominantemente técnico.
Férias e exoneração
Moro se afastou das atividades de juiz federal e da Lava Jato logo após aceitar o convite para ser ministro. Em ofício, ele comunicou que vai sair de férias por 17 dias a partir desta segunda e que vai pedir a exoneração da magistratura em janeiro.
Com a saída de Moro, a juíza Gabriela Hardt, substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba, fica à frente dos processos da Lava Jato interinamente, até que seja escolhido um novo responsável.
Esta matéria está em atualização.
Fonte: G1