Para abrir a série “História Visagenta”, decidi começar por um dos principais pontos turísticos da nossa capital e ao final teremos o relato sobre uma suposta aparição que ronda o local.
Quem chegar em Belém do Pará procurando pelo Forte do Presépio, pelo Forte do Castelo ou ainda pelo Forte do Senhor Santo Cristo, logo irá perceber que, na realidade, está procurando pelo mesmo lugar. Visitar o Forte do Presépio, também conhecido como Forte do Castelo, é imergir na rica história de Belém do Pará e nas tradições artísticas da região. O museu abrange dois circuitos expositivos que oferecem uma jornada fascinante pelos aspectos fundamentais da fundação da cidade. A antiga fortificação encontra-se na Ponta de Maúri, na confluência do Rio Guaianá com a Baía de Guajará́, demarcando a entrada do porto e o canal de navegação adjacente à Ilha das Onças, em Belém.
FORTE DO PRESÉPIO AO LONGO DA HISTÓRIA
Após derrotar os franceses no Maranhão em novembro de 1615, os portugueses dirigiram sua atenção para a Amazônia, cientes da presença e atividades dos ingleses e holandeses que buscavam estabelecer relações com os indígenas para explorar o potencial da vasta região amazônica. A Coroa Portuguesa, em resposta, confiou a Francisco Caldeira de Castello Branco, então capitão-mor do Rio Grande do Norte, a missão de explorar a área que estava sendo alvo de assédio por parte dos outros colonizadores. Castello Branco partiria de São Luís no dia 25 de dezembro de 1615 com três navios com 200 homens sob seu comando, a expedição se estenderia até o dia 12 de janeiro de 1616 com a chegada de colonizadores portugueses nessa região. Vale ressaltar que os portugueses não foram os primeiros a passar por aqui, contudo foram os únicos com a intenção de se estabelecer nestas terras.
Com intuito de ocupar o território recém “descoberto” o e resguardá-lo de possíveis invasões de ingleses e holandeses, Castello Branco percebeu a necessidade da construção de uma fortificação que pudesse proteger a si e a sua tropa, para isso foi erguido um forte de taipa e palha, guarnecendo-a com 12 peças de artilharia, tal edificação recebeu o nome de Forte do Presépio. No interior do forte foi construído um alojamento para abrigar a guarnição, temendo eventuais conflitos não só com os Tupinambá, uma vez que estes e outros povos já ocupavam estas terras antes da chegada portuguesa, mas também com holandeses e ingleses. Anos mais tarde houve um ataque que não veio por parte dos estrangeiros conforme o esperado, mas sim dos povos originários, os tupinambás.
1. Em virtude dessa empreitada, ele foi agraciado com o título de Descobridor e Primeiro Conquistador do Rio das Amazonas.
Se na chegada lusa esses foram seus aliados, chegando até mesmo ajudar com a construção do forte, agora a situação era completamente diferente. Esse seria o conflito mais sanguinário de todos os outros, os indígenas se lançaram contra os portugueses numa tentativa de expulsá-los e acusando-os de ter violentado suas mulheres e filhas. O conflito entrou pela madrugada tendo de um lado tupinambás armados com arcos e flechas – venenosas e incendiárias –, enquanto do outro lado se tinham portugueses com armas de fogo. Em meio ao conflito o líder tupinambá, o cacique Guaimiaba foi abatido por um disparo de arcabuz culminando no fim da batalha e daí os indígenas se embrenharam na floresta facilitando a invasão portuguesa efetiva da terra, posteriormente ocorre a escravidão indígena e mais tarde entra em cena a figura dos jesuítas que procuravam “amenizar” o conflito entre europeus e nativos. Por sua vez, os jesuítas passaram a “educar” esses indígenas aos moldes europeus.
Em certo momento Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal, implementou diversas medidas significativas nas colônias portuguesas. Entre as ações destacam-se a revisão da política relacionada à mão de obra indígena, a expulsão dos jesuítas, que monopolizavam a mão de obra indígena por meio do Regimento das Missões (1686), o estímulo ao desenvolvimento da economia agrícola, o apoio à imigração de casais açorianos e escravos negros provenientes da África, a criação de uma companhia de comércio, além da reestruturação e ampliação da administração local. O Marquês de Pombal almejava, por meio do Diretório dos Índios, efetuar a transição dos indígenas para a vida civil, formalizando o trabalho compulsório e estabelecendo diretrizes para a educação, as relações entre indígenas e colonos, bem como a administração de suas atividades laborais. A iniciativa visava modernizar o processo de integração dos indígenas à sociedade colonial, demandando a expulsão dos jesuítas, que detinham o controle da mão de obra indígena em suas missões. À medida que culminou na expulsão dos jesuítas foi o Regimento das Missões, promulgado em 1686. A intencionalidade disso se dava pelo fato de que era muito complicado trazer portugueses para cá, por conta dos conflitos então por sua vez seria muito mais fácil “transformar indígenas em portugueses”, desse modo era muito “mais fácil” o processo de colonização.
Em 1753, o Forte do Presépio assumiu pela primeira vez a função de hospital, destinado a atender mais de trezentas pessoas afetadas por um surto epidêmico. Seis anos mais tarde, passou a ser um hospital militar, sendo conhecido como Hospital do Castelo. No século XIX, durante a revolta conhecida como Cabanagem, na qual os paraenses se insurgiram contra a elite portuguesa, o forte, já em estado precário de conservação, serviu como quartel dos insurgentes por cinco anos (1835-1840). Escavações arqueológicas recentes revelaram artefatos como munições, cachimbos, moedas, entre outros objetos antigos, os quais agora fazem parte do acervo do Museu do Encontro, outro ponto turístico local. Também foram encontrados indícios da existência da Capela de Santo Cristo, um dos símbolos das origens do Pará. O Forte do Presépio foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan em 1962.
FORTE DO CASTELO E A CABANAGEM
A Cabanagem representou o pioneirismo do primeiro movimento popular a alcançar o poder no Brasil. Sua ascensão foi marcada por eventos impactantes, como o assassinato do presidente da regência portuguesa, Bernardo Lobo de Sousa, nas escadarias do Palácio do Governo. Hoje, esse histórico edifício abriga o Museu do Estado do Pará (MEP), situado em frente à Praça Dom Pedro II. Foi nessa praça que os cabanos acampavam, vestidos com trajes vermelhados tingidos com casca de murici, e realizavam suas assembleias, dando início a uma fase crucial na história do país. O MEP preserva essa rica narrativa, proporcionando aos visitantes uma imersão profunda nos eventos que moldaram a Cabanagem e influenciaram o curso da história brasileira.
No ano inaugural da Cabanagem, em 1835, quando o conflito se desenrolou principalmente no centro histórico de Belém, o Forte do Presépio desempenhou um papel significativo nos combates, apesar das adversas condições em que se encontrava sua estrutura militar. Em outras palavras, alguns dos momentos cruciais da Revolução cabana ocorreram dentro das instalações do forte ou estiveram diretamente ligados ao poder da antiga fortaleza. Vale notar, no entanto, que antes do início da Cabanagem, a fortificação já havia perdido sua importância como bastião militar, pois foi desarmada por ordens do governo imperial. Essa circunstância, no entanto, não impediu que seus espaços fossem utilizados nos estágios iniciais da revolta cabana.
Os vestígios da luta tornaram-se visíveis na paisagem urbana, com as paredes das casas marcadas por balas e projéteis de canhão. Essas descrições são encontradas nos relatos de viajantes do final da primeira metade do século XIX. À medida que o século terminava, o forte transformou-se em um local de memória e um ponto identitário na topografia urbana de uma cidade cujas águas ainda careciam de um porto.
MUSEU DO ENCONTRO
Do encontro entre colonizador e indígena houve uma troca de experiencias e costumes. O Museu do Encontro é um marco histórico da fundação da cidade de Belém em 12 de janeiro de 1616. Em 1999, foi transformado em espaço cultural cujo acervo é composto por peças de povos que antecederam o processo da colonização e objetos que vieram após o processo de colonização, sendo assim chamado de museu do encontro. Simboliza o encontro entre colonizado e colonizador, é como um grande livro de história, mas não escrito com linguagem verbal, mas sim visual. Esses objetos são capítulos que compões o Museu do Encontro.
Ao explorar o lado externo e o pátio interno, os visitantes têm acesso ao “Sitio Histórico da Fundação de Belém”, que abriga a estrutura militar original, incluindo um impressionante arsenal de artilharia. Os canhões de procedência europeia e norte-americana, fabricados em aço e ferro, representam testemunhos tangíveis da história, marcando o sistema de defesa meticulosamente implementado pelos conquistadores portugueses ao longo da costa do território brasileiro. Datados de um período abrangente que se estende de 1680 a 1884, essas imponentes peças de artilharia contam a história das tensões e ameaças que pairavam sobre a colônia.
Estes artefatos não são apenas testemunhas mudas da passagem do tempo, mas também vestígios físicos da engenhosidade militar empregada para proteger as possessões coloniais. As datas gravadas em seus canos não apenas indicam sua longevidade, mas também revelam momentos críticos em que as potências europeias, notadamente os portugueses, enfrentaram desafios consideráveis para preservar sua soberania. Esses canhões desempenharam um papel crucial na defesa contra invasões estrangeiras, notadamente das forças holandesas e francesas, que cobiçavam as riquezas e territórios recém-descobertos. A presença dessas armas de artilharia, robustas e habilmente fabricadas, atesta a seriedade com que os conquistadores portugueses encararam a tarefa de proteger suas conquistas.
Essa construção representa a primeira edificação portuguesa da cidade, remontando aos primórdios de Belém. O ambiente externo proporciona uma experiência única ao recriar a atmosfera da época. No interior do museu, é possível visitar a Sala Guaimiaba, o segundo circuito expositivo, revela um acervo arqueológico diversificado. Esse acervo inclui materiais coletados no próprio sítio histórico e em seus arredores, destacando-se peças artísticas de procedência Marajoara[2] e Tapajônica[3], além dos simbólicos Muiraquitãs. Estes por sua vez, também chamados de pedras verdes, são considerados os objetos mais valiosos e notáveis da Arqueologia Monumental no Brasil.
A Lenda dos Muiraquitãs consiste no fato de que mulheres guerreiras, as Amazonas, ao se uniam aos homens apenas uma vez por ano, em uma das serras que margeavam o rio Nhamundá. Após a união anual, ao perceberem a gravidez, as Amazonas mergulhavam no lago Yacy Uaurá (Espelho da Lua) e retiravam do fundo uma argila verde. Com essa argila, moldavam um muiraquitã, que, depois de endurecido, era presenteado ao parceiro antes de ser enviado embora. Ao final dos nove meses de gestação, se nascesse uma menina, ela seria cuidada; no entanto, se fosse um menino, a execução era imediata, visando evitar a formação de laços indesejados.
2. Dentre as peças que compõe o acervo do Museu do Encontro é interessante chamar atenção para as “Tangas Marajoaras”. As tangas marajoaras eram utilizadas por mulheres em rituais, fazendo parte do espólio funerário encontrado dentro de suas urnas. As tangas apresentavam variações na decoração, podendo ser lisas, vermelhas ou pintadas. A confecção dessas tangas era adaptada conforme a identidade e o status social da usuária.
3. Os índios Tapajó produziram objetos cerâmicos significativos, como vasos de cariátides, vasos de gargalo, estatuetas e cachimbos.
Além disso, a exposição inclui itens da arqueologia histórica, como artefatos militares, botões de fardamento, medalhas, louças, garrafas de grés e de vidro, moedas e objetos do cotidiano. Por meio de peças e painéis ilustrados, o museu proporciona ao público a oportunidade de explorar a identidade amazônica, permitindo a compreensão dos processos culturais, sociais e militares. Essa imersão se estende pelos domínios do Forte do Presépio, refletindo não apenas sua história, mas também o contexto simbólico ao redor. O acervo é um testemunho dos diversos indicadores relacionados às culturas nativas, desde a pré-história até o contato com a cultura portuguesa e o subsequente processo de urbanização, originado a partir do Forte do Presépio, que se tornou um símbolo fundamental na formação de Belém.
A designação “Museu do Encontro” ressalta a incorporação da cultura dos primeiros habitantes da região à estrutura portuguesa original. O museu testemunha o encontro entre indígenas e portugueses, refletindo a convivência histórica que, embora pacífica no contexto atual do acervo, teve seus desafios no passado. O Forte do Presépio, erguido pelos portugueses no século 17, especificamente em janeiro de 1616, representa o ponto de partida dessa trajetória fascinante. Inicialmente construído como uma estrutura simples de madeira e palha, deu origem à primeira rua da cidade, originalmente chamada de Rua do Norte e atualmente denominada Siqueira Mendes[4]. A visita ao Museu Forte do Presépio é, portanto, uma oportunidade enriquecedora para explorar a fundação de Belém e a interação cultural que moldou a identidade dessa região ao longo dos séculos.
Também é possível fazer um tour virtual pelo espaço museal ao acessar o site www.museus.pa.gov e se aventurar não somente pelo Forte do Presépio e Museu do Encontro, mas também nos outros espaços que compõe o Sistema Integrado de Museus, tais como o Museu do Estado do Pará (MEP), Museu de Arte Sacra, Espaço Cultural Onze Janelas, Espaço São José Liberto, dentre outros.
4. A primeira rua aberta em Belém, ainda no século XVII, presta homenagem ao cônego Manuel José de Siqueira Mendes, líder do Partido Conservador no Pará. Ele foi presidente interino da Província por três vezes durante o período entre setembro de 1868 e janeiro de 1871, destacando-se como um político de grande influência na região. Nascido em Cametá em 6 de setembro de 1825, faleceu em 5 de maio de 1892. Após sua morte, a antiga Rua do Norte passou a ser denominada em sua homenagem.
SERIA O FORTE ASSOMBRADO?
O relato a seguir foi contado por um guarda que pediu anonimato e que já teria trabalhado no Forte do Presépio, segundo ele. o local abrigaria inúmeros mistérios que correm no popular “boca a boca”. De acordo com ele, um guarda que trabalharia no turno da noite enquanto fazia sua habitual ronda teria entrado no museu lá pelas tantas da noite, os colegas de turno já haviam informado que ali aconteceriam algumas coisas fora do comum após às 18h, “o pessoal tudo lá avisou ele, mas ele entrou de gaiato”, contou o entrevistado e ainda completou “só que aí passou um tempo e nada dele aparecer, então ele ‘passou’ o rádio chamando a gente, fomos lá dentro e ele tava’ caído no chão e perguntamos o que tinha acontecido e lhe respondeu que assim que entrou no espaço, deu alguns passos e sentiu como se tivesse levado um tiro de canhão no meio do peito”.FOTOS DISPONÍVEIS EM: AQUI