O que Karl Marx quis dizer ao propôr o fim da família em seu livro “Manifesto Comunista”?

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O que Karl Marx quis dizer ao propôr o fim da família em seu livro "Manifesto Comunista"?
Eu não consigo entender que estratégia é essa dos formadores de opinião da direita em tentar falsificar as ideias de um livro que tem apenas 23 páginas e que está disponível em todas as línguas / Foto: Reprodução

Eu extraí todos os parágrafos em que aparece a palavra “família” no “Manifesto Comunista” [de Karl Marx] e, por mais que eu tenha tentado, não encontrei nenhuma proposta de acabar com a família.

A seguir estão todos os parágrafos em que aparece a palavra “família” no “Manifesto Comunista“.

A burguesia arrancou à relação familiar o seu comovente véu sentimental e reduziu-a a uma pura relação de dinheiro.

As condições de vida da velha sociedade estão aniquiladas já nas condições de vida do proletariado. O proletário está desprovido de propriedade; a sua relação com a mulher e os filhos já nada tem de comum com a relação familiar burguesa; o trabalho industrial moderno, a subjugação moderna ao capital, que é a mesma na Inglaterra e na França, na América e na Alemanha, tirou-lhe todo o carácter nacional. As leis, a moral, a religião são para ele outros tantos preconceitos burgueses, atrás dos quais se escondem outros tantos interesses burgueses.

A Revolução Industrial foi um processo de grandes transformações tecnológicas, sociais e econômicas que começou na Inglaterra no século XVIII.

Supressão da família! Até os mais radicais se indignam com este propósito infame dos comunistas.

Sobre que assenta a família atual, a família burguesa? Sobre o capital, sobre o proveito privado. Completamente desenvolvida, ela só existe para a burguesia; mas ela encontra o seu complemento na ausência forçada da família para os proletários e na prostituição pública.

A família dos burgueses elimina-se naturalmente com o eliminar deste seu complemento, e ambos desaparecem com o desaparecer do capital.

O palavreado burguês acerca da família e da educação, acerca da relação íntima de pais e filhos, torna-se tanto mais repugnante quanto mais, em consequência da grande indústria, todos os laços de família dos proletários são rasgados e os seus filhos transformados em simples artigos de comércio e instrumentos de trabalho.

Este socialismo dissecou com a maior acuidade as contradições nas relações de produção modernas. Pôs a descoberto os fingidos embelezamentos dos economistas. Demonstrou irrefutavelmente os efeitos destruidores da maquinaria e da divisão do trabalho, da concentração dos capitais e da posse fundiária, a sobreprodução, as crises, o declínio necessário dos pequenos burgueses e camponeses, a miséria do proletariado, a anarquia na produção, as desproporções gritantes na repartição da riqueza, a guerra industrial de extermínio das nações entre si, a dissolução dos velhos costumes, das velhas relações de família, das velhas nacionalidades.

O Manifesto Comunista foi publicado em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels, em Londres

As suas proposições positivas sobre a sociedade futura, p. ex., supressão da oposição entre cidade e campo, da família, do proveito privado, do trabalho assalariado, a proclamação da harmonia social, a transformação do Estado numa mera administração da produção — todas estas suas proposições exprimem meramente o desaparecimento da oposição de classes que só agora começa a desenvolver-se, que eles não conhecem senão na sua primeira indeterminidade sem figura.

Como se pode ver, não há nenhuma proposta de acabar com a família, mas uma constatação de que a grande indústria destruiu os laços de família dos proletários e os seus filhos foram transformados em simples artigos de comércio e instrumentos de trabalho.

Ao contrário do que dizem os detratores de Marx, o texto denuncia a ação destruidora do capitalismo sobre a família da classe proletária.

Na verdade, embora não esteja escrito explicitamente, o que se pode deduzir do texto do “Manifesto Comunista” é uma proposta de reconstrução da família com o seu “comovente véu sentimental“.

Essa reconstrução é necessária, porque o capitalismo resultou na “ausência forçada da família para os proletários e na prostituição pública“.

Eu não consigo entender que estratégia é essa dos formadores de opinião da direita em tentar falsificar as ideias de um livro que tem apenas 23 páginas e que está disponível em todas as línguas.

A única explicação que me ocorre é que eles acreditam que a maioria das pessoas é tão idiota que jamais verificaria o texto para descobrir a falsificação.

Texto: Orfeu Maranhão Moreira Barros – Antigo Auditor Federal de Controle Externo Aposentado em Tribunal de Contas da União 1993–2015.

Nota

Escrito durante uma época de intensas transformações econômicas e sociais, o manifesto surge em meio ao avanço da Revolução Industrial e às crescentes desigualdades entre a burguesia, que controlavam os meios de produção, e o proletariado, que vivia em condições precárias. A obra também foi publicada pouco antes da eclosão das Revoluções de 1848 na Europa, movimentos que buscavam maior liberdade

Com a célebre frase “Proletários de todos os países, uni-vos!“, o texto tornou-se um marco do pensamento revolucionário e ainda inspira debates sobre economia, política.