Dados sobre gravidez na adolescência, consumo de bebidas alcoólicas e açúcar, religião, suicídio e violência são constantemente superestimados pela população. Cultura, educação e desigualdade social podem explicar a percepção negativa sobre o país
Os brasileiros têm uma ideia bastante negativa de seu próprio país – e geralmente ela é pior do que a realidade. Dados sobre gravidez na adolescência, consumo de bebidas alcoólicas e açúcar, religião, suicídio e violência são constantemente superestimados pela população, conforme vem indicando a cada ano, desde 2015, a pesquisa “Perigos da Percepção”, do Instituto Ipsos, terceira maior empresa de estudos de mercado do mundo.
No estudo mais recente, de 2017, o Brasil ocupa a segunda posição no ranking “Índice de Percepção Equivocada” que compara opiniões da população com dados da realidade em 38 países – atrás apenas da África do Sul. Em 2016, apareceu na sexta posição e, em 2015, na terceira. A pesquisa, que levou em consideração a resposta de 1.000 brasileiros, reflete a percepção a partir de dados quantitativos.
Você saberia dizer, sem recorrer ao Google, qual é a taxa de gravidez na adolescência no Brasil? A média dos entrevistados afirmou que 48 em cada 100 mulheres têm filhos entre os 15 e 19 anos, quando, na verdade, esse número é de 6,7% segundo dados da OCDE que embasaram a pesquisa do Ipsos. Este índice no Brasil é maior do que a média mundial, que é de 4,6%, mesmo assim, esse distanciamento entre percepção e realidade, segundo o CEO da Ipsos no Brasil, Marcos Calliari, evidencia um problema massivo de falta de aprofundamento das questões sociais. Mas por que os brasileiros têm essa percepção diferente do que realmente acontece no país?
Para o sociólogo e antropólogo Antônio Flávio Testa, a resposta tem origem na história do Brasil. Desde a colonização até os dias de hoje não houve a formação de um sentimento de patriotismo entre os cidadãos brasileiros. “Quando éramos colônia, o Brasil era visto como uma terra a ser explorada, seus habitantes foram escravizados ou subjugados, muitos filhos de portugueses com brasileiras foram rejeitados ou criados longe da figura paterna e isso influenciou as gerações seguintes”, conta Testa.
Outro argumento que poderia explicar esse resultado é o de que a posição que o indivíduo ocupa dentro da sociedade afeta a maneira como ele a enxerga. De acordo com o professor de sociologia da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Márcio de Oliveira, esse fator tem grande relevância no desenvolvimento de uma miopia social. Nesse sentido, o grau de deformação varia de acordo com o nível de instrução e de onde este indivíduo está inserido na sociedade. “É a partir desta posição e das informações que eu tenho, que vou julgar a realidade”, observa ele.
O brasileiro ainda tem que lidar com um paradoxo: criou-se uma imagem do Brasil como um país cheio de riquezas naturais, com grande potencial de crescimento, mas que, na realidade, sofre com um dos piores índices de desigualdade social do mundo (quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, segundo a Pesquisa de Desigualdade Mundial 2018). “Eu não diria que o brasileiro tem uma percepção errada. Diria que é uma percepção forjada por uma história que apresenta um país de uma determinada maneira e a realidade que o cidadão vê diante dos seus olhos é outra. Isso faz com que as pessoas tenham uma percepção pior do país”, diz Oliveira.
Por fim, o consumo de informações que circulam pela sociedade, seja na mídia ou em grupos mais restritos, também tem seu papel na construção da percepção do país. Segundo Calliari, notícias negativas chamam mais a atenção do que notícias positivas e são processadas de maneira diferente pelo sistema cerebral, provocando, muitas vezes, um alarmismo desnecessário. E isso não é exclusividade do Brasil. Apenas 7% das pessoas que responderam ao questionário do Ipsos acreditam que a taxa de homicídios entre 2000 e 2017 diminuiu em seu país, quando, segundo dados da OCDE, o indicador está diminuindo em vários países incluídos na pesquisa, como é o caso da Itália, que registrou queda de 39% na taxa de homicídios, embora 49% os entrevistados italianos tenham dito que o índice aumentou no período.
“O mais preocupante com os resultados desta pesquisa é que percepções erradas geram diagnósticos errados dos problemas do país e, consequentemente, soluções inadequadas”, afirma o CEO da Ipsos no Brasil, que alerta também que o desconhecimento da realidade do país pode amplificar alguns temas que não são os mais importantes para o Brasil e orientar o debate eleitoral em 2018 para prioridades erradas.
Esses são os “discursos catastrofistas”, segundo Oliveira, que sempre encontram público nesse cenário. “Alguns políticos tendem a exacerbar conflitos, se valem de insatisfações cotidianas para angariar votos, mas, de uma maneira geral, as eleições no Brasil mostram um eleitor mais de centro, menos inclinado a votar em candidatos radicais”.
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Fonte: Gazeta do Povo