Palácio Isabel (hoje Guanabara) era residência oficial e particular da Princesa.
Guilherme de Faria Nicastro
Espera-se que em 2018 o Judiciário dê mais um passo para reparar a secular injustiça da tomada ilegal do Palácio Isabel, hoje chamado Palácio Guanabara, atual sede do governo estadual do Rio de Janeiro e antiga residência da Princesa Imperial do Brasil, D. Isabel de Bragança, “a Redentora”.
O caso é atualmente um dos mais antigos, senão o mais antigo, ainda em curso no Judiciário nacional, completando 123 anos, desde a ação possessória movida pela Princesa Isabel e seu esposo, Príncipe Gastão de Orleans, Conde d’Eu, em 1895.
Localizado no bairro das Laranjeiras, zona Sul do Rio de Janeiro, o Palácio teve a construção erigida em 1853 pelo rico comerciante português José Machado Coelho em uma chácara da Rua Guanabara, atualmente Rua Pinheiro Machado, batizado de “Chácara do Rozo” por pertencer a Domingos Francisco de Araújo Rozo, servindo de residência particular do comerciante até 1863.
A Constituição Imperial de 25 de março de 1824, por meio de seu artigo 112, instituía a dotação das Princesas da Casa Imperial do Brasil quando estas se casassem, prática comum à época.
Em virtude do casamento da Princesa Imperial, D. Isabel de Bragança, com o Conde d’Eu, promulgou-se, em 17 de julho de 1864, a Lei nº 1.217, revigorando a lei anterior, nº 166, votada pela Assembleia Geral do Império em 29 de setembro de 1840, promulgada em virtude do casamento da irmã do Imperador D. Pedro II, tia da Princesa D. Isabel, a Princesa D. Januária de Bragança, com o Príncipe das Duas Sicílias e Conde d’Áquila, D. Luís Carlos de Bourbon, instituindo a dotação.
Regulamentado o preceito constitucional, formalizou-se em 11 de outubro de 1864 o pacto pré-nupcial da Princesa e do Conde d’Eu, com a intervenção da nação brasileira. Dentre as disposições estava o fornecimento de trezentos contos de réis, pelo Estado brasileiro, aos Príncipes, para que com isso adquirissem prédios para residência.
Dom Pedro II, Dona Teresa Cristina, Conde d´Eu e Princesa Isabel: pacto pré-nupcial facilitou compra de prédio para a residência.
Por meio dessa cláusula legal, o Conde d’Eu adquiriu, em 25 de janeiro de 1865, de José Machado Coelho e sua esposa, os prédios urbanos nº 4 e 6, assim como a chácara a eles situada, propriedades que dariam origem ao Palácio Isabel.
Posteriormente, em 1869, procedeu-se a aquisição judicialmente à mediação, e assim, sucessivamente, o Conde d’Eu, com seu dinheiro particular, adquiriu outras propriedades que, incorporadas à área primitiva, comprada em 1864, a ampliaram, dando a feição definitiva da propriedade.
Reformado pelo arquiteto José Maria Jacinto Rebelo, alterando ligeiramente as características em estilo neoclássico originais, passou a ser chamado Paço ou Palácio Isabel, por ser a então residência oficial e particular da Princesa na cidade do Rio de Janeiro.
Com o golpe militar de 15 de novembro de 1889 e a Proclamação da República pelos aquartelados, a Casa Imperial do Brasil cessou de reinar e foi exilada pelo Governo Provisório dois dias depois.
Com isso, o Paço Isabel foi lacrado e deixado aos cuidados dos representantes legais da Família Imperial em solo brasileiro.
Com o banimento da Família Imperial, seguiu-se o confisco de seus bens. Inicialmente o próprio decreto que exilava o Imperador D. Pedro II e sua família confiscava seus bens.
No entanto, as propriedades da Princesa Isabel e dos demais membros da família foram omitidas do confisco inicial até 1891, quando, pelo Decreto 447/1891, o Governo Federal tentou pela primeira vez apossar-se do Palácio Isabel.
Sem sucesso em executar o decreto, o governo republicano tentou legitimar o ato legislativo ingressando no Judiciário, cuja resposta foi negativa aos seus anseios.
De igual forma, o Ministério da Justiça encomendou pareceres aos maiores juristas e universidades do Brasil para avaliar a questão.
A conclusão, quase unânime, foi de que o decreto não era título bastante para confiscar o Palácio e que, por mais que a Família Imperial tivesse perdido seus direitos políticos e privilégios em decorrência da queda do regime, essa mudança em nada afetou ou poderia afetar os direitos privados da família exilada.
Diante desse cenário, a posse mansa e pacífica da Princesa Isabel e do Conde d’Eu sobre o Palácio permaneceu intacta.
Interior do Palácio Guanabara.
Em 1894, porém, já durante a gestão Floriano Peixoto, em decorrência da Revolta da Armada, foi confiscado o Paço Isabel em nome do Governo Militar.
A invasão e saque do Palácio ocorreram às nove horas da noite do dia 23 de maio de 1894 por forças militares.
Novamente, tentando legitimar o confisco, dessa vez executado, o Governo Federal ingressou na Justiça.
A resposta foi igualmente negativa, porém de forma diversa: o governo não se resignou e apelou, tendo recebido decisão negativa ao confisco pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo de Petição nº 100.
Sob posse do governo republicano, o Palácio passou brevemente por diversas funções, servindo, por exemplo, como quartel e pombal militar, onde eram treinados pombos-correios, até sua reforma realizada por Francisco Marcelino de Souza Aguiar e pelo paisagista Paul Villon em 1907, ganhando as atuais características ecléticas.
A reforma havia sido especialmente encomendada para a visita do Rei D. Carlos I de Portugal, o que nunca sucedeu, em decorrência do regicídio ocorrido em 1º de fevereiro de 1908, em Lisboa.
Em 1911 começou a ser utilizado como residência pelo então Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca, tornando-se a residência oficial do Presidente da República somente em 1926. Pouco antes, em 1922, hospedou o Rei Alberto da Bélgica.
O Palácio, entre 1946, com a deposição de Vargas, e 1960, com a criação do Estado da Guanabara, foi sede da Prefeitura do Distrito Federal.
Doado ao atualmente extinto Estado da Guanabara pelo Presidente Ernesto Geisel durante a Ditadura Militar, manteve-se, durante fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, como sede do Governo do Estado, função que desempenha até a atualidade.
Embora as decisões judiciais fossem a de que o Governo Federal exercia sua posse ilegalmente, esse nada fez para as acatar.
Assim, em 1895, a Princesa Isabel e o Conde d’Eu ingressaram com a ação possessória que dá origem ao processo que corre ainda hoje.
A inicial, datada de 22 de setembro de 1895, foi despachada no dia seguinte e recebida pelo juízo. Tendo sido avisada, a União Federal, em 20 de março de 1896, a contestou.
A corte que julgou o mesmo caso duas vezes em favor da Família Imperial, tendo desta vez como Juiz Seccional o Dr. Godofredo Xavier da Cunha, genro de Quintino Bocaiúva, um dos civis que haviam apoiado o golpe de 15 de novembro, atuou de maneira diversa; ou seja, improcedendo o pleito da Princesa Isabel e do Conde d’Eu pela propriedade do Palácio, por ele ser um “direito incompatível com a forma republicana”.
Apelou-se ao Supremo Tribunal Federal que, em 1897, perdeu os autos do processo, de forma que só foram encontrados em 1964, aguardando o caso julgamento todos esses anos.
Fontes e estátuas do paço.
Então, em 1946, já falecidos tanto a Princesa Isabel quanto o Conde d’Eu e abolido o ato de banimento da Família Imperial do Brasil, os netos, descendentes do casal, fizeram processar um protesto judicial interruptivo da prescrição trintenária, que favorável à União Federal tinha iniciado a correr em 1º de janeiro de 1917, ao entrar em vigor o Código Civil; e, em 1955 ingressaram com ação reivindicatória, requerendo indenização pela tomada do Palácio.
A Justiça considerou a matéria prescrita, recorrendo-se da decisão. Com a descoberta dos autos da ação original, os processos das duas ações, de 1895 e de 1955, foram juntados e submetidos a julgamento conjunto pelo Tribunal Federal de Recursos em virtude da conexão ocorrente.
O acórdão somente foi proferido em 1979, atestando a inocorrência da prescrição nas duas ações e remetendo para o juiz de origem o prosseguimento da causa.
Somente em 20 de junho de 1995, ambos os processos foram submetidos a julgamento, proferindo-se acórdãos distintos para cada um, negando no entanto provimento às apelações.
Entre os diversos recursos submetidos ao Tribunal Regional Federal, somente em 2000 reconheceu-se o erro no acórdão de 1995 e falta de cognição da matéria.
Em 2008, já com mais de 100 anos do prosseguimento da ação, foram oferecidos recursos Especial, ao Superior Tribunal de Justiça, e Extraordinário, ao Supremo Tribunal Federal, onde o processo já havia estado em 1897 e que já havia julgado a matéria em 1895, de forma desfavorável ao governo republicano. É esse primeiro recurso, Especial, que espera que se julgue ainda em 2018.
O caso do Palácio Guanabara é infelizmente a prova corrente das injustiças que a Família Imperial sofreu na mudança de regime em 1889, e que, curiosamente, não são divulgadas, diferentemente do que acontece com outros grupos que também sofreram nas mãos de ditaduras.
Embora o Brasil nunca tenha negado indenização a um anistiado político, ou pagamento a uma desapropriação pelo governo requerida, de forma escusa, por mais de um século, ignorou os direitos da Família Imperial sobre esse assunto.
A matéria tem precedente famoso que ampara a posição dos Príncipes do Brasil. O Rei Constantino II da Grécia conseguiu após anos de batalhas judiciais receber indenização do governo grego por suas propriedades confiscadas pela república helênica, em julgamento pela Corte Europeia de Direitos Humanos.
O que se atestou no século retrasado, em dois julgamentos já concluídos e em pareceres dos maiores juristas brasileiros, continua um fato: a queda da monarquia pelo golpe militar em nada alterou os direitos que os Príncipes do Brasil tinham como cidadãos brasileiros na esfera privada.
Espera-se que seja essa uma das conclusões do Superior Tribunal de Justiça, para que cumpra sua função de fornecer exatamente Justiça, independentemente da condição que a Família Imperial ocupa ou ocupou na política brasileira.
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A Fundação Getúlio Vargas publicou o trabalho “O direito de propriedade na transição política: uma análise do ‘Caso do Palácio Guanabara’”, de autor deste artigo, sobre o tema aqui tratado. Ele pode ser lido na íntegra no site da Biblioteca Digital da instituição por meio do link http://hdl.handle.net/10438/19699.