Quando viu pela televisão, na terça-feira (15) pela manhã, que um prédio havia desmoronado no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza, Leandro Carvalho, 39, não precisou da confirmação do endereço. Já sabia que se tratava do edifício Andrea. Há pelo menos 14 anos, ele diz, os problemas estruturais eram mais do que claros no local.
Imediatamente, o motorista de carros de aplicativo saiu em disparada de casa, a cerca de 11 km do local do desastre, em busca de notícias da mãe, Cleide Maria da Cruz Carvalho, 60.
“O sentimento foi de desespero, de perda, de não saber o que estava acontecendo, se [o prédio] havia sido evacuado”, afirma Leandro. “[No caminho] pensava: ‘Meu Deus o que aconteceu com minha mãe?’, ‘O que aconteceu com as pessoas que a gente gosta?’”
Toda terça-feira, nos últimos 21 anos, Cleide fazia faxina no apartamento de Maria da Penha Bizzeril, 70, no edifício de sete andares. Na última, não foi diferente.
Foi assim que, no começo dos anos 2000, Leandro conseguiu trabalho na mesma casa, cuidando do marido da patroa que havia se acidentado.
“Eu e minha mãe, a gente conversa muito, e ela sempre me falava [sobre as condições do prédio]. Fora isso, eu sempre passava por lá também, porque temos —tínhamos— uma convivência bem amigável com as pessoas para quem ela trabalhava. Era como se fossem da família”, diz.
Segundo ele, os problemas na estrutura do prédio eram visíveis para qualquer um. “Quando eu trabalhava lá, caía alguns pedaços do prédio, o chão da garagem também já havia arriado algumas vezes. Tinha problemas de estrutura bem visíveis. Era um prédio de quase 40 anos”, diz.
“Não sabia que seria assim, mas a gente sabia o que ia acabar acontecendo.”
A certeza de Leandro era tanta que, no caminho de casa ao local do desabamento, percurso que levou cerca de uma hora, em nenhum momento considerou que pudesse ser outro edifício. “Tinha certeza que era lá. Quando disseram que era na rua Tibúrcio Cavalcanti, uma rua que começa lá na praia e termina já no final do bairro, bem extensa, não precisei nem de confirmação”, diz.
Quando Leandro chegou ao local, sua mãe já havia sido levada para o hospital, com uma fratura exposta no pé, machucados na cabeça e escoriações pelo corpo. Da patroa de Cleide, diz, ainda não se tem notícia.
Na quinta-feira (17), a quinta morte foi confirmada: Nayara Pinho Silveira, 31. Antes dela, quatro corpos haviam sido retirados dos escombros e identificados. Uma das vítimas ainda está sob os escombros e não se sabe sua identidade.
Segundo o comandante dos bombeiros do Ceará, Eduardo Holanda, são agora cinco pessoas consideradas desaparecidas e que estão sendo procuradas pelas equipes de resgate: duas mulheres e três homens que foram reclamados por familiares.
ORAÇÃO E FRESTA DE LUZ
Quando o edifício Andrea começou a ruir, Cleide deu a mão e tentou correr ao lado da patroa. A poeira que se formava e os pedaços de concreto que caíam sobre as duas trataram de separá-las. Em segundos, a empregada doméstica já estava no meio dos escombros, salva pela geladeira da casa, que escorou uma viga do teto, conta Leandro.
No hospital, a diarista contou ao filho que se arrastou em direção à claridade que entrava por uma fresta entre os escombros. Nesse momento, conseguiu identificar a patroa, deitada entre o que havia sobrado do Andrea.
“Elas ficaram juntas, em oração, esperando o resgate. Dona Penha disse a ela que estava com o braço quebrado, mas minha mãe não conseguiu chegar mais perto porque estava com o pé quebrado. Ficaram assim por um tempo”, diz Leandro.
Leandro não sabe dizer quanto tempo se passou, mas, de acordo com o relato de Cleide, a voz da patroa durante a oração foi diminuindo aos poucos. “Meia hora depois, minha mãe ouviu os bombeiros e gritou para eles.”
O motorista de aplicativo falou com a Folha por telefone, ao lado da cama da mãe no hospital. Cleide reclamava de dor e havia chorado há pouco. “Agora estamos aqui, esperando que outras famílias possam ver seus entes queridos e que Deus possa confortar a todos envolvidos nessa tragédia. Uma tragédia anunciada, sem tamanho”, afirma Leandro.
“Sei que tem algum culpado. Não sei se é só um, se são dois. Mas sei que existe algum culpado e ele tem que ser responsabilizado. A gente não pode mais viver dessa forma…sei lá, estou bem cansado, me desculpe.”
O QUE SE SABE ATÉ AGORA
– Situação irregular: A reforma do prédio, que estava em andamento, não tinha autorização da Prefeitura de Fortaleza. A ART (anotação de responsabilidade técnica) —documento que define os responsáveis técnicos pela execução da obra e serviços— só foi registrada no Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) na segunda-feira (14), um dia antes do desabamento. Nela, o engenheiro civil responsável diz que as obras incluem “reparos nas construções” e “pintura”. O orçamento era de R$ 22.200.
– IPTU antigo: Até 2013, o prédio todo pagava IPTU único, possivelmente do imóvel antigo que existia no local. A Prefeitura de Fortaleza identificou a questão quando estava atualizando a planta imobiliária da cidade e regularizou a cobrança individual para cada um dos 13 apartamentos.
– Vizinhos: A Defesa Civil interditou sete imóveis próximos ao terreno onde ficava o prédio na manhã desta quarta, após identificarem rachaduras neles. Os moradores foram enviados a abrigos e receberão auxílio financeiro da prefeitura.
– Inspeção: O desabamento desta terça foi o segundo em pouco mais de quatro meses na capital cearense. No dia 1º de junho, outro edifício teve desabamento parcial. Os responsáveis foram indiciados pela Polícia Civil do Ceará pelos crimes de desabamento e dano qualificado há semanas. A prefeitura não aplica a Lei de Inspeção Predial, porque o serviço teria ficado caro. Para o presidente do Crea-CE, o engenheiro civil Emanuel Maia Mota, a inspeção é importante. “Ela poderia não evitar isso, porque são fatalidades as quais todo mundo está sujeito. Mas poderia minimizar o impacto disso tudo”.
PERGUNTAS AINDA SEM RESPOSTA
– Causa: Logo após o desabamento, chegou a ser levantada a possibilidade de um vazamento de gás ter provocado a tragédia. A suspeita mais forte agora é que a reforma irregular tenha sido a causa, o que está sendo apurado. A ART registrada no Crea indicava que a obra começaria na segunda-feira (14), mas depoimentos e imagens indicam que já estava em andamento. Ainda não se sabe há quanto tempo.
– Responsável: O engenheiro civil que assinou a ART não havia sido localizado pelo conselho até a tarde desta quarta. Ele também não indicou o nome da empresa que faria a obra, embora a ART tenha espaço reservado para isso.
– Número de moradores: Também não se sabe ao certo quantas pessoas viviam no edifício. Os apartamentos eram grandes, com cerca de 140 metros quadrados. Um deles foi dividido pela metade pelo dono para que a outra parte fosse alugada. Vizinhos dizem que a maioria dos moradores eram idosos.
– Data de construção: O edifício Andrea teria sido construído nos anos 1990. A prefeitura diz ter um pedido registrado para autorizar a construção com data de 1994. O registro do CNPJ do condomínio foi aberto em 15 de setembro de 1995. A equipe do Crea que esteve no local, porém, ouviu de vizinhos que a construção era uma das mais antigas da região e teria cerca de 40 anos.
Fonte: UOL