A série dourada de Trump chegou ao fim.
O Presidente Donald Trump, depois de um último esforço desesperado de desacreditar os resultados da eleição por meio de contestações legais e acusações de fraude infundadas, perdeu sua tentativa de reeleição.
O presidente — que presidiu em meio às mortes de mais de 236.000 americanos em uma pandemia que ele teve pouco interesse em controlar, fortaleceu nacionalistas brancos, separou crianças imigrantes de suas famílias e usou o governo a serviço de suas queixas pessoais — perdeu sua reeleição para Joe Biden.
Na noite da eleição, o presidente falsamente alegou vitória. Dois dias depois, ele se arriscou em uma coletiva de imprensa na Casa Branca alegando uma conspiração generalizada para roubarem a eleição, enquanto se dedicava a minar as eleições e a democracia. Mesmo quando se tornou claro que não ganharia a reeleição, o conselho de campanha alegou, na sexta-feira de manhã, que “irregularidades” durante o processo de votação de alguma forma reverteriam as projeções da derrota de Trump, em um comunicado oficial que começou com “Esta eleição não acabou”.
O próprio presidente tuitou no mesmo dia, “A Filadélfia tem um histórico ruim de integridade nas eleições”. Ele e sua campanha não apresentaram evidências razoáveis para apoiar nada disso.
No momento em que o resultado da disputa foi anunciado, o presidente estava jogando golfe.
Trump pode ter perdido, mas os efeitos duradouros de seu mandato ficarão gravados na mente dos americanos por muito anos. Ele reformulou o judiciário por uma geração, designando mais de 200 juízes conservadores, alguns classificados como “não qualificados”, para a bancada, incluindo três juízes da Suprema Corte. Ele presidiu um corte de impostos para os milionários em um período de excessiva desigualdade financeira, agravada pela pandemia do coronavírus, que ele falhou em conter. Ele promoveu perigosas teorias da conspiração e racistas. E, ele expôs o moderno partido Republicano como pronto para ser assumido por um demagogo.
E a escala de apoio de Trump, mesmo com a derrota, mostra que ele e seu tipo de política não podem ser considerados como sorte; Trump ganhou mais votos que em 2016, e seu apelo a tantos eleitores Republicanos poderia fazer dele uma figura poderosa por muitos anos.
Por semanas, Trump se recusou a dizer se deixaria o escritório pacificamente caso perdesse, ao mesmo tempo em que repetidamente tentava reprimir o voto e prejudicar os resultados da eleição fazendo acusações falsas de que ela seria manipulada. Nos dias finais da campanha, ele alimentou a ansiedade eleitoral sugerindo uma decisão da Suprema Corte de permitir cédulas de votação atrasadas na Pensilvânia, um estado importante, que criaria “confusão em nosso país”. Vários novos processos foram apresentados na Pensilvânia depois do dia da eleição, e a campanha pediu para interferir no caso da Suprema Corte. As ações judiciais que a campanha apresentou em Michigan e na Geórgia depois do dia da eleição foram rejeitadas. Sua tentativa flagrante de desacreditar a eleição de 2020 foi outro exemplo de seu padrão de negação da realidade — como a forma como ele insistiu que a nação estava “virando a esquina” na COVID-19 até o final de sua campanha, mesmo quando cerca de 1.000 americanos estavam morrendo todos os dias.
Ainda assim, Trump continuou a atrair o apoio apaixonado de sua fervorosa base de apoiadores. Milhares e milhares de pessoas se reuniram em seus comícios por todo o país, entusiasmados quando ele batia em jornalistas, cientistas, elites de Washington e aliados estrangeiros, entrando em uma veia de queixas sociais e econômicas brancas. É provável que eles continuem sendo uma força política poderosa por anos, mesmo quando encolhem demograficamente, influenciando o Partido Republicano da extrema-direita.
Em alguns momentos durante a campanha, Trump entreteve abertamente a ideia de que ele poderia perder, dizendo: “talvez eu perca porque eles vão dizer que não sou uma pessoa legal”, e sugerindo que ele poderia deixar o país se fosse derrotado. Isso é improvável. Com mais de 85 milhões de seguidores do Twitter e uma propensão para quebrar normas, é provável que ele continue a buscar os holofotes e a atenção de sua base.
Ele pode não renunciar rapidamente ao controle do Partido Republicano, com partidários suficientes no comando dos partidos estaduais para mantê-lo com poder mesmo não tendo um cargo eleito. E há sempre a possibilidade de ele poder escolher concorrer novamente à presidência em 2024, quando terá 78 anos.
A derrota de Trump vem depois de uma presidência caótica de quatro anos, na qual ele parecia muito mais confortável fazendo campanha do que governando, e isso foi pontuado por uma série de comícios lotados durante a pior pandemia em um século.
Ninguém pode dizer qual o futuro do ilustre membro do mercado imobiliário e astro de reality da TV que, como um recém-chegado à política, perturbou o Partido Republicano e abandonou seu sistema anterior, deixando para trás um partido ao estilo da política Trump, mas que agora estará sem o próprio Trump oficialmente no seu controle.
Não está claro se os filhos de Trump tomarão as rédeas de seu movimento político populista, que deriva muito de seu poder das queixas raciais e econômicas dos eleitores brancos da classe trabalhadora. Donald Jr., Eric, Ivanka e Tiffany serviram como substitutos proeminentes da campanha, sinalizando que a família ainda não abandonou a política. Seus filhos conquistaram diferentes nichos políticos, com Donald Jr. se apresentando como o herdeiro do espírito rude de “dono da liberdade” de seu pai, e Ivanka se apresentando como a face supostamente moderada e dominante da família junto com seu marido, Jared Kushner.
O destino do grupo também está em curso. Uma instituição que outrora adotou o conservadorismo de pequeno governo e o tradicionalismo social ao estilo Ronald Reagan é agora a casa dos fiéis do QAnon que Trump apoiou enfaticamente, incluindo as candidatas republicanas ao Congresso, Laura Loomer e Marjorie Taylor Greene.
Ao longo de sua presidência, Trump abraçou teorias conspiratórias e incentivou os racistas. Desde seus elogios aos manifestantes nacionalistas brancos em Charlottesville, em 2017, até sua severa retórica para protestos contra o racismo sistêmico antinegro e a brutalidade policial este ano, Trump sinalizou consistentemente sua afinidade com os elementos racistas de sua base. O Partido Republicano tornou-se progressivamente ligado ao próprio Trump nos últimos quatro anos, ao ponto de não adotar uma nova plataforma na convenção nacional deste ano, ao invés disso, resolveu que “tem e continuará apoiando entusiasticamente a agenda do presidente de colocar a América em primeiro lugar”.
Apesar de sua retórica populista, Trump muitas vezes governou de acordo com as prioridades tradicionais republicanas, como a redução de impostos e a construção de um judiciário conservador. E, ao longo de sua administração, os primeiros conselheiros influentes com opiniões mais marginais foram eliminados, substituídos gradualmente por Republicanos mais convencionais.
A pandemia do coronavírus, que já matou mais de 232.000 americanos, provou ser o evento ao qual a presidência de Trump não conseguiu sobreviver. Ele minimizou o vírus desde o início da pandemia, mesmo depois de ele mesmo o ter contraído em outubro. Ele ignorou e menosprezou as autoridades de saúde pública de sua administração e ridicularizou o uso de máscaras e outras medidas preventivas. Depois de ter sido criticado por realizar comícios fechados gigantescos, Trump partiu para grandes comícios ao ar livre com uma multidão, em grande parte sem máscaras, a quem se referiu como “manifestantes pacíficos”, contra as diretrizes de saúde pública.
A pandemia também desencadeou um declínio econômico que deixou 15% dos americanos desempregados. Trump fez um acordo com os Democratas do Congresso para dar dinheiro de estímulo diretamente aos trabalhadores desempregados e apoiar as pequenas empresas no início da pandemia, mas esse projeto de lei, a Lei CARES, acabou no final de julho. Trump falhou ao não conseguir aprovar outro pacote de alívio do coronavírus antes do dia das eleições, comprometendo sua mensagem econômica.
Há também ramificações de processos judiciais em andamento. Trump passou os últimos dois anos no tribunal tentando impedir o Ministério Público de Nova York de fazer cumprir uma intimação do grande júri sobre oito anos de sua declaração de impostos, uma luta que permanece pendente após o Dia das Eleições. Os promotores não revelaram toda a extensão de sua investigação criminal, mas ela trata, pelo menos em parte, de pagamentos em dinheiro para comprar o silêncio, que o antigo advogado de Trump, Michael Cohen, orquestrou para dar a duas mulheres que afirmavam ter tido casos com Trump, Stormy Daniels e Karen McDougal. Durante a primeira rodada da luta legal, Trump argumentou, sem sucesso, que, como presidente em exercício, era imune a este tipo de investigação criminal. A Suprema Corte dos EUA decidiu contra ele em julho. Trump tentou levantar mais desafios legais à validade da intimação que estava pendente.
Quando Trump aceitou a nomeação pelo seu partido na convenção nacional em 2016, ele pintou uma visão sombria dos desafios da América e disse: “Só eu posso consertar isso”.
Ele não o fez. E os eleitores não lhe deram outra oportunidade.
Fonte: BuzzFeed