Como é difícil este negócio de ter que começar as coisas! Aqui estou eu olhando para o computador com sua ameaçadora página em branco do Word, no meio de uma madrugada insone, com algumas ideias flutuantes e pouco tempo para produzir.
Parece-me uma grande missão tentar facilitar os começos, que por natureza nos dão um trabalho danado! No início tudo é delicado e tende a ser planejado com cuidado para que algo bom se desenvolva a partir dali. Ficamos ansiosos, determinados, inseguros e vulneráveis diante das certas incertezas do percurso. Qualquer deslize pode ser fatal e se isto acontece, fatalmente, será necessário recomeçar. Um começo, de novo!
Engana-se quem acredita no ditado que diz que “no início tudo são flores”, porque os velórios estão aí mostrando que é no fim que elas chegam às toneladas. No fim desmorona-se tudo, há cacos humanos por todos os lados, as fôrmas se perdem com os estilhaços e por mais insuportável que pareça ser, existe um certo alívio no ato de paralisar quando algo termina. A dificuldade do fim está na necessidade de se reconstruir. Por onde recomeçar? Assusta tanto que, talvez por isso, muita gente permaneça inertemente quebrado.
Há também a possibilidade de que o começar seja difícil porque aprendemos que “o que começa mal, termina mal”, e este ditado por vezes sábio, por vezes estúpido, fala dos extremos, mas ignora o meio. Comece bem, termine bem. Comece mal, termine mal. E ponto final.
Mas este não é para ser um texto sobre começos e fins. Introduzi assim só porque, como em tudo nesta vida, eu precisei: começar. Evidente que foi difícil, mas de alguma maneira chegamos aqui. Quero falar de meios.
Li por estes dias A trégua, de Mario Benedetti. Como costumo dizer de forma bem blogueira: favoritei! Um homem às vésperas de completar cinquenta anos, pai de três filhos, viúvo, que planeja a sua aposentadoria e vive uma vida sem grandes emoções, toma coragem para viver uma paixão e acaba conhecendo o amor verdadeiro. O amor das sutilezas, do cotidiano, do encantamento, da importância da conversa e da companhia, uma trégua em meio ao desespero da falta de controle que temos diante da vida.
Sente-se uma felicidade genuína enquanto os instantes de amor são descritos, um respiro, um suspiro de paz, um alívio no meio do caos neste presente chamado de trégua, e que vejo como um milagre, uma forma bonita de Deus dizer Estou aqui, e seria de uma tristeza vazia não percebê-lo. Aliás, não sei se existe um começo ideal ou um fim ideal, mas só quem já viveu meios poderosos sabe a força que as tréguas têm.
Fiquei tão obcecada pela palavra que corri ao dicionário para explorar o máximo de definições possíveis. Gostei desta “cessação temporária de estado ou ação desagradável”. Não, não me assusta a temporária, afinal, o que aqui não é?
Já que citei alguns ditados, de aspectos duvidosos, permitam-me ser um pouco piegas e citar o do poeta “que seja eterno enquanto dure”, neste eu me apego mais.
A propósito, ontem falei sobre tatuagens com alguém que tanto gosto. Disse-lhe que quero fazer algumas, porém, tenho dúvidas. Mas acho que posso ter tido uma revelação, quem sabe eu tatue isto: Trégua. Não seria especial? Um viva à todas elas!