Recentemente o Brasil conviveu com um governo atípico, porque antipolítico, antidemocrático, antissocial e anti-humano. Foi o governo Bolsonaro que atuou contra todas as teorias de marketing político e marketing de governo corrente, obteve sucesso eleitoral e, mesmo num contexto de pandemia, crise social, crise econômica e destruição de direitos trabalhistas, chegou nas eleições com praticamente 50% do eleitorado.
Percepção tradicional deste fenômeno político chamado bolsonarismo ou extrema direita brasileira dominante.
Tenho lido muitas análises que se conformam em achar que o bolsonarismo é coisa passageira, que basta fazer um governo exitoso e esta extrema direita seria reduzida a 10% enquanto força política nacional, já na próxima sucessão presidencial. Vejo a maioria dos analistas políticos caracterizando a extrema direita e o bolsonarismo como o neofascismo na política brasileira, considerando o método utilizado em sua ação política que muito se assemelha a aspectos secundários da política de Benito Mussolini usado na Europa, desde o primeiro quinto do século XX. Perdoem-me, mas posso estar errado, mas ouso apresentar outra vertente de análise, baseada em uma análise estrutural da situação em que passa o mundo ocidental e o Brasil em particular.
A EXTREMA DIREITA BOLSONARISTA E O MUNDO OCIDENTAL E BRASILEIRO.
O fenômeno bolsonarista, é verdade, em muito se assemelha à experiência do método fascista utilizado na Itália aos tempos de Mussolini, onde o eixo discursivo e programático articulava nacionalismo, teocentrismo, moralismo, apelo ao trabalhadores, anticomunismo, estatismo, denúncia da política e a volta aos tempos e aos valores do período cesarista. A política bolsonarista em muito copia este modelo de fazer uma política alternativa e antidemocrática, porém existem elementos na conjuntura extremamente novos e que potencializa e explica em grande parte a adesão em massa a este projeto autoritário e anti-humano.
Caso venhamos estar de acordo com este diagnóstico estrutural de conjuntura, então as estratégias de ação exigiriam mais do que ação política no congresso, nas ruas e nas redes sociais, baseadas tão somente na denúncia e criminalização dos maiores atores bolsonaristas. Demonstrar esta nova fase da política da extrema direita, o contexto civilizatório que a favorece e as armas para enfrentar este período histórico estão no escopo deste ensaio que apresento.
O mundo que estamos habitando: no meio de uma transição civilizatória global.
O final do século XX e o início do século XXI estão assistindo uma transição civilizatória marcada por muito aspectos visíveis como: alteração de todos os paradigmas para a análise da política e da economia que foram disparados pela emergência da globalização em todos os aspectos da vida política, econômica, social, cultural, comunicacional, laboral, empresarial, ambiental, etc.
Este fenômeno amplamente estudado pela comunidade acadêmica produziu enormes transformações nas relações entre a comunidade de estados nacionais e entre a sociedade civil mundial. O resultado mais visível após 50 anos destes processos em cursos, foi a disputa multipolar do poder econômico e político mundial, com desdobramentos de muitos conceitos e categorias que reorientam a formação acadêmica em política, economia e relações internacionais.
Hoje as guerras híbridas entre os blocos econômicas mundiais substituíram as guerras militares tradicionais, o conceito de soberania em nada lembra a ideia de soberania absoluta, hoje corporações econômicas globais detém poder decisório, em áreas chaves da economia, da política e da moeda, superior aos estados nacionais. Lógico, os países líderes dos blocos econômicos mundiais, como o americano, o europeu e o asiático, lutam para se manter como produtores de bens de consumo manufaturados deixando os emergentes blocos e países periféricos como exportadores de matéria prima.
Mas nos últimos cinquenta anos o mundo ocidental democrático e parte do mundo oriental vem assistindo uma intensa mobilização de novos atores sociais, que vêm conquistando direitos constitucionais e infraconstitucionais e que tem servindo de poderoso combustível para a extrema direita conquistar adeptos convictos. Estes grupos sempre existiram, sempre foram invisível social e legalmente e agora representam os grupos mais mobilizado da sociedade ocidental e que tem grande apelo argumentativo e político que que são aqueles que lutam pelo reconhecimento a exemplo de: mulheres, LGBTQIAP+, minorias étnicas, negros, indígenas, quilombolas, imigrantes.
Estes atores que lutam e conquistam reconhecimento social e político representam a entrada em cena, em grande parte dos diferentes, dos esquecidos, de uma plebe ignorada pelas elites econômicas e políticas ao longo da história do Brasil. O Brasil ainda é o segundo país mais desigual do planeta, 50% de sua população sobrevive com até 1 salário mínimo.
A revolução nas comunicações trouxe para o centro da vida social e política a informação instantânea, sem filtro e avassaladora. Quem tem utilizado com maior competência estes novos meios de comunicação sem dúvida nenhuma são as igrejas evangélicas, as organizações de direita e extrema direita e os novos formadores de opinião, os chamadores influenciadores digitais, onde FAKENEWS, a serviço da extrema direita, demonizam adversários e endeusam aliados.
Neste momento o maior embate que se trava em tempos de eleições presidenciais e governamentais é o confronto entre valores civilizatórios ultra conservadores e valores de uma nova sociedade baseada na tolerância política, religiosa e social, em todos os seus aspectos. Mas, enquanto os candidatos da extrema direita transformam as bandeiras ideológico-religiosas, valorativas e liberais em plataformas centrais dos embates eleitorais e políticos, os chamados políticos progressistas e de esquerda fogem deste debate, porque sabem que se enfrentarem este debate, em véspera de eleições ou no cotidiano da vida social perderiam a poio em massa, numa sociedade, culturalmente herdeira da tradição judaico cristã.
Como enfrentar no debate político cotidiano e em vésperas de eleições temas como o aborto, o casamento gay, a descriminação do uso de drogas, a defesa das florestas em regiões de mineração e de plantio de commodities, uma educação cidadã e libertária, um sistema público de proteção social proporcional ao tamanho de nossa pobreza, em cidades do sudeste? uma expansão da educação pública do ensino infantil à pós graduação, um sistema de cotas em que o Brasil corrija as distorções de anos de escravidão e exclusão social dos mais pobres, etc?
O debate político na sociedade brasileira, em eleições presidenciais foi subsumido pelo debate em torno de valores civilizatórios e aí, a extrema-direita e a direita estão vencendo. Quando entrevistávamos ou conversávamos com o eleitorado pobre que é a grande maioria do eleitorado, estes estava surdo para avaliar as condições de sua vida material, o pobre estava mais preocupado com sua vida espiritual e com sua prestação de contas a Deus. Esta constatação mostra a força do cristianismo em todas as suas matizes na sociedade brasileira.
A maioria das confissões evangélicas e boa parte dos conservadores da igreja católica, baseados em valores liberais conservadores construíram a percepção de um cristo reacionário, conservador, que detesta qualquer dissintonia entre a sociedade de 2050 anos atrás, presente nos valores Bíblicos, baseados no patriarcado, na misoginia, no preconceito e a sociedade atual, que está em profunda transformação. E este debate não pode ser enfrentado, de repente e em vésperas de eleições, senão o debate cotidiano sairá da política e entrará no mundo transcendental dos valores de uma outra vida, fora de nossos radares humanos.
O que precisa ficar bem claro para os analistas políticos de que não estamos, apenas, diante de uma facção política neofascista,. Estamos diante de uma política de extrema direita mais complexa, que defende valores ultra liberais no cotidiano da política, quase desconstruiu todo o estado social brasileiro em quatro anos e que em véspera de eleições, foge da avaliação política, demoniza seus adversários políticos e os transforma em agentes do satanás. Em uma sociedade onde 40% das pessoas já estão recrutadas pelas igrejas evangélicas e outros tantos porcento são hegemonizados pelo catolicismo de extrema direita.
Caso partamos da noção que o fascismo teoricamente se caracteriza por um discurso ultra nacionalista, xenofóbico, antiliberal, antissocialista, de extrema direita e que aposta na economia mista e no intervencionismo estatal na economia e na sociedade, e do ponto de vista político se caracteriza pela defesa de um governo totalitário ou ditatorial e tem na força e violência seus instrumentos de ação política, podemos dizer que o governo Bolsonaro tem mais característica de uma extrema direita antidemocrática e ultra liberal, do que do que de um fascismo clássico.
Portanto, estamos diante de uma formação política mais complexa do que imaginamos. Será que caracteriza-lo como neofascista não estaríamos forçando muito a categoria fascista? pois o fascismo surgiu como alternativa ao liberalismo e ao socialismo no contexto pós primeira guerra mundial, e tinha no fortalecimento da intervenção do Estado na economia, na política e na sociedade sua maior força de apoio popular.
A extrema direita bolsonarista é ultraliberal, contra direitos trabalhistas e sociais e se apropriou de um discurso conservador na economia e de base fortemente teológico. Esta vertente política majoritária no Brasil demonstrou que pode desmontar todo o aparato social do Estado brasileiro e manter o apoio das camadas mais pobres e da maioria da classe média tendo por base um discurso moralista, clerical e ideologicamente defendendo os valores patriarcais, misógino, intolerantes e de denúncia dos valores do socialismo.
Afirmo que a vertente bolsonarista se tornou maioria política no brasil, se entendermos que Bolsonaro teve mais de 49% nas eleições presidenciais e Lula venceu comandando uma frente que aglutinou socialistas, democratas, liberais e até gente classicamente de direita. A maior prova do domínio ideológico e valorativo de Bolsonaro sobre sua base eleitoral, foi o fato de que os pobres oriundos de bases religiosa, se recusavam a discutir política ou fazer um balanço de suas vidas econômica e social nos últimos quatro anos e votavam em Bolsonaro em nome da Pátria, Família e Deus.
A batalha de 2026 e as estratégias eleitorais possíveis.
Para que o campo progressista venha a ter boas chances nas eleições presidenciais brasileiras muitas metas deverão ser perseguidas no quadriênio 2023/2026. Em primeiro, estabelecer uma estratégia política que venha a quebrar as alianças do bolsonarismos nas igrejas evangélicas.
Em segundo lugar, consolidar a base de apoio congressual, mesmo que as transformações na sociedade e na economia caminhe em passos lentos. Terceiro, Montar uma rede e apoio político e institucional nos meios de comunicação de massa e nas redes sociais digitais e na sociedade civil.
Quarto, Manter o apoio político no nordeste e estabelecer ações políticas e curto prazo no sudeste e norte e centro-oeste capazes de conquistar novas parcelas do eleitorado. Quinto buscar eleger o máximo de aliados nas eleições municipais, especialmente nas duzentos maiores cidades do Brasil.
E sexto, construir uma política estratégica para dentro das escolas, nos meios de comunicação, nos locais de trabalho e moradia para discutir a construção de uma sociedade tolerante, diversa, inclusiva baseada em valores humano-universais, dialogando fortemente com os grupos que lutam por reconhecimento.
O fortalecimento de políticas que conduzam no sentido de uma economia solidária consistente e do financiamento da agricultura familiar e da micro e pequena empreendimento, que venham a oferecer alternativas para milhões de pessoas que realizam o trabalho informal, é fundamental, desde que lições em favor uma sociedade democrática, inclusiva, tolerante estejamB presentes.
Não bastam políticas redistributivistas se não discutirmos a vida e os valores para uma sociedade inclusiva, diversa e tolerante. Caso contrário a esquerda e os progressistas administrarão o Estado com destreza, mas a cabeça da população continuará reacionária, medieval e excludente, sendo um caldo de cultura livre para ser ocupada pelos demagogos antidemocráticos. “Pelo retorno das disciplinas críticas no currículo do ensino básico”.